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Nas últimas sete décadas, os governos brasileiros tentaram, das mais variadas formas e modos, levar adiante planos de desenvolvimento que descessem ao chão dos municípios. O resultado dessas iniciativas mostrou-se frustrante ao longo do tempo.

Em 1950, o presidente Eurico Gaspar Dutra lançou o primeiro deles, o Plano Salte, sigla que representava a soma das palavras saúde, alimentação, transporte e energia. “O modelão do desenvolvimento regional de cima para baixo, que vem se praticando no Brasil há sete décadas, já nasceu falido”, diz Bruno Quick, diretor técnico do Sebrae.

Até mesmo no Sebrae foram empreendidas, entre os anos 1990/2000, duas iniciativas voltadas ao desenvolvimento do empreendedorismo nos municípios. Em 1992, o Sebrae colocou em ação o Programa de Desenvolvimento Regional para a Geração de Renda e Emprego (PRODER).

Em 1998, junto com o Comunidade Solidária, foi lançado o programa denominado Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS), direcionado aos municípios mais deprimidos.

Tanto o PRODER quanto o DLIS não conseguiram se entranhar nos territórios do Brasil, como era o objetivo embutido em ambas as propostas. Nas suas intensas viagens profissionais pelo país, Bruno Quick passou também a incluir nelas uma busca por experiências locais de coesão comunitária que tivessem sido bem-sucedidas. Uma das que o impressionaram ocorreu em Maringá (PR), no período 1998/2000, com o apoio do Sebrae.

As lideranças empresariais de Maringá haviam constatado que a economia do município tinha perdido o dinamismo que marcou a imagem de uma cidade pujante, embora ainda nova, fundada em 10 de maio de 1947. Eles resolveram, então, criar um novo modelo de desenvolvimento. Uniram-se 80 líderes, colocando em ação o Movimento Repensando Maringá.

“Um grupo de jovens”, disse Quick, “tinha assumido a Associação Comercial, sob a presidência de Jefferson Nogarolli. Junto com Eduardo Araújo, que é um empreendedor de perfil intelectual e pragmático, levaram o processo adiante, com excelentes resultados”.

A comunidade decide quais sonhos ela mesma quer realizar, e o Sebrae atua como facilitador técnico da jornada transformadora

A partir dessas observações, o diretor técnico do Sebrae deu a partida, em 2005 (portanto, há 16 anos), na extensa e complexa jornada de criação, em escala nacional, de um programa que fosse inteiramente modelado e erguido de baixo para cima pelas lideranças locais de maior credibilidade junto aos seus concidadãos. Assim, começava a nascer, ainda muito embrionariamente, a ideia de um programa que se denominaria LIDER – Liderança para Desenvolvimento Regional.

Cláudio Veras, engenheiro, especialista de Desenvolvimento Regional e pós-graduado em Gestão de Negócios. Consultor do LIDER. “O Bruno Quick sonhou com o LIDER, e chamou, para ajudá-lo, as pessoas que ele confiava”

O seu conceito fundamental é o de que um representativo grupo de líderes comunitários definiria as bases, o funcionamento e os objetivos do programa, cabendo ao Sebrae facilitar essa imensa empreitada de compartilhamento coletivo.

Ou seja: o time do Sebrae ordenaria as regras e os procedimentos imprescindíveis à maior praticidade e eficácia da engrenagem do LIDER, concebendo uma simplificada metodologia, clara e de fácil entendimento de todo o vasto número de integrantes do grupo.

A metodologia compreende o diagnóstico da realidade local e um plano de ação, com o mapeamento das potencialidades e a aplicação de técnicas pedagógicas e psicológicas de aprimoramento comportamental, com vistas à sintonia e coesão do grupo em torno dos objetivos que o próprio grupo elegeu como prioridades para o desenvolvimento local.

A comunidade define quais dos seus compartilhados sonhos são os mais desejados, necessários e factíveis, e desse modo, portanto, apresentam maior potencial de se transformarem em realidade.

As demandas podem, hipoteticamente, ser divididas em três ou quatro eixos, como, por exemplo, os da criação de um polo tecnológico na região, da melhoria da mobilidade urbana, da instalação de um laticínio, da criação de uma universidade local, e assim por diante.

O grupo já estará ciente de que esses objetivos são alcançáveis no longo prazo, sem a ligeireza das monocráticas e autocráticas decisões de gabinete. As soluções vapt-vupt, da varinha de condão e da bala de prata não constam do vocabulário do LIDER.

À medida que, mês a mês, gradualmente se definiam e se sedimentavam os contornos do LIDER, Bruno Quick selecionava uma força-tarefa nuclear, exclusivamente constituída por experimentados profissionais com prática e formação acadêmica nas áreas de economia, gestão de recursos humanos, capacitação gerencial, psicologia, filosofia, relações institucionais.

Inocêncio de Oliveira é filósofo, pedagogo e pós-graduado em Desenvolvimento de Cooperativas. Consultor do LIDER

O entendimento consensual entre os integrantes do ‘staff’ de especialistas é o de que a prospecção dos futuros integrantes do grupo de líderes comunitários deve ter como alvos os personagens locais que encarnam, como propósito de vida, o ideário de uma sociedade orientada para o bem comum. As mulheres e os homens que passam a integrar os grupos dos líderes são, de acordo com os critérios dos facilitadores do Sebrae, naturalmente proativos, solidários, éticos, aglutinadores e visionários com os pés no chão.

Na triagem dos líderes que conduzirão os programas, fala mais alto seu desempenho comunitário como pessoa física do que o nome da entidade de classe que dirige

No processo de arregimentação, conduzido pelos facilitadores do Sebrae, um líder selecionado acaba indicando outros, que, por sua vez, indicam outros. Os especialistas empenham-se de corpo e alma nessa triagem, que contempla indivíduos das esferas empreendedora, acadêmica, oficial e do terceiro setor.

A credibilidade e o protagonismo dos indicados vale mais do que a instituição à qual eles estejam vinculados, por mais poderosa que seja a associação ou instituição que dirijam. Na triagem, o CPF tem peso muito maior do que o CNPJ.

A seleção é ortodoxamente qualitativa. O prefeito do município mais forte da região pode ser desconsiderado, dando-se a preferência ao atuante, inovador, respeitado e dedicado prefeito de uma pequena cidade, mesmo que ela não tenha expressão econômica e demográfica.

Deste modo, forma-se a base que lastreia todo o sistema de governança do LIDER, que pode ser visualizada como se fossem três degraus. O primeiro deles é o dos comitês da região. O segundo é o da coordenação dos comitês. E o terceiro é o da Cabine de Direção, que se constitui no coração da arquitetura de governança.

Na Cabine de Direção não se conduz um plano estratégico, mas uma agenda viva de transformação econômica e social do chão do Brasil, elaborada de baixo para cima.

Conectado à Cabine de Direção há o Observatório de Desenvolvimento Regional, em que se elaboram os dados, se produzem análises, se realizam o planejamento e as pesquisas de campo, se organizam seminários e cursos de formação. O Observatório é considerado uma ferramenta fundamental para se apoiar o desenvolvimento do território.

Até que se chegasse à atual configuração do LIDER, houve intermitentes idas e vindas. O maior e mais recorrente desafio da missão LIDER é o do convencimento geral da população sobre a viabilidade de, comunitariamente, se remover a internalizada cultura do verticalizado poder autoritário, substituindo-o pelo democrático compartilhamento horizontal, em que a sociedade se torna a principal protagonista da sua história, como ocorre com as nações dos melhores indicadores de desenvolvimento humano.

O país já teve dezenas de planos de desenvolvimento regional, decididos nos gabinetes fechados dos donos do poder, mas quase dois mil municípios não conseguem pagar suas próprias contas

O caráter pioneiro, único, genuíno, singular e inovador do LIDER impossibilita que se faça uma avaliação comparativa, um ‘benchmarking’, com outras experiências nacionais de territorialização do desenvolvimento.

Ou seja: não se encontra na história do país qualquer iniciativa desse gênero que escape à lógica verticalizada, que se reiterou nos pacotes, embrulhados nos gabinetes e anunciados nos púlpitos oficiais.

O Brasil já teve, ao longe de sua história, dezenas de planos de desenvolvimento. Entre eles, o Salte (1950/51), o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956/61), as quatro edições do Plano Nacional de Desenvolvimento (nos períodos 1970/79 e 1980/89), o Brasil em Ação (1996/99) e o Avança Brasil (2000/2003). Foram tão efêmeros que até se apagaram da memória nacional.

O país está, há cinco séculos, estruturado nos contornos do centralismo burocrático-estatal, que atravessou os 322 anos do período colonial, 67 anos do Império e ainda persiste depois de 132 anos de República.

Um terço dos municípios brasileiros não consegue gerar receita suficiente sequer para pagar o salário de prefeitos, vereadores e secretários, conforme noticiou o Estadão em 28 de agosto de 2018, baseado em pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Ao contrário dos vetustos e encorpados planos nacionais de desenvolvimento, anunciados no Planalto Central, o LIDER é autenticamente comunitário e funcionalmente leve. As instalações utilizadas no programa são as já existentes na comunidade, sem que se demandem investimentos estruturais, sejam os de auditórios ou de logística.

O Observatório de Desenvolvimento Regional do Sul do Rio Grande do Sul que opera com o núcleo de estatísticas, diagnósticos, mapeamento de potencialidades e pesquisas de campo – está hospedado na Universidade Católica de Pelotas.

É operado em consórcio com a Universidade da Região da Campanha e a Universidade Federal do Pampa, ambas sediadas em Bagé. Outra excepcionalidade do LIDER está no seu caráter integralmente endógeno. O programa é originário do interior do organismo comunitário, sendo conduzido por fatores internos, sejam os dos empreendedores e políticos, dos capitais sociais, humanos e criativos.

O Brasil, contudo, funciona de fora para dentro, de cima para baixo. É sobretudo exógeno, com exceção do agronegócio, e seu universo de cooperativas, escolas técnicas, universidades, centro de pesquisa e extensão rural. Outra exceção à regra é o Sistema Único de Saúde.

Mas, em linhas gerais, o LIDER inverte a pirâmide do poder que tem monopolizado o Brasil há meio milênio. O programa faz florescer o ambiente de cooperação e complementariedade, internalizando nas pessoas o senso coletivo de pertencimento.

As idas e vindas até se encontrar o ponto certo de um programa genuíno, que subverte a velha e incrustada cultura mandonista e corporativista

De 2005 a 2015, portanto durante uma década, articularam-se os fundamentos do LIDER, o programa de desenvolvimento territorial, em que cidadãos ativos de suas comunidades sejam os propositores e realizadores dos seus sonhos coletivos de bem-estar social e prosperidade econômica, tendo como vetor o empreendedorismo participativo.

A proposta do LIDER é a de trazer à tona as competências dos brasileiros em vários pontos geográficos das 27 unidades da Federação.

Diz Bruno Quick: “Trata-se de uma transformação no interior do interior do nosso Brasil de dimensões continentais, uma transformação de longo prazo e sem precedente. O LIDER fará emergir ao primeiro plano da vida cotidiana local as competências dos brasileiros, em um país de múltiplas identidades. Inicia-se, assim, um paulatino processo de mudança na secular cultura nacional, que acabou naturalizando, como se não houvesse alternativa, a passiva aceitação de um Estado centralizador, cujo poder verticalizado baseia-se em códigos que ele mesmo define e que servem muito mais a si próprio do que à sociedade”.

A indicação dos grupos de líderes dos programas locais é feita mediante consultas à população, em técnicas desenvolvidas por um time de especialistas que foi sendo arregimentado pelo diretor técnico do Sebrae nacional.

O Sebrae atua como um facilitador. Escolhidos os primeiros 30 líderes participantes, cria-se a instância de base. Posteriormente, são montadas duas outras instâncias, formando um colegiado total de até 300 líderes. São eles que fazem as escolhas dos projetos, e os conduzem.

“O Sebrae não desenvolve as pessoas, ajuda as pessoas a se desenvolverem; o Sebrae não desenvolve uma região, ajuda as lideranças e as comunidades locais a desenvolverem”

Para ordenar esse conjunto da governança compartilhada, os especialistas do Sebrae montaram a metodologia do LIDER. No time precursor do programa ingressaram Inocêncio Magela de Oliveira, o filósofo, pedagogo e pós-graduado em Desenvolvimento de Cooperativas, Cláudio Veras, engenheiro,especialista de Desenvolvimento Regional e pós-graduado em Gestão de Negócios; Augusto Portugal, arquiteto/urbanista, especialista em Desenvolvimento de Planejamento, consultor da ONU para programas de desenvolvimento local e regional.

Augusto Portugal, é arquiteto/urbanista, especialista em Desenvolvimento de Planejamento, consultor do LIDER. “O programa LIDER nasce de uma das mentes mais brilhantes e inquietas que eu conheço, que é a do Bruno Quick”

O âmago do programa de desenvolvimento territorial está na identificação e na aglutinação dos líderes locais. Diz Claudio Veras: “O essencial é o grupo comunitário se formar e ter uma identidade. Com o grupo coeso e com essa identidade, chega-se a qualquer objetivo desejado. Esta é a grande mágica.

Os objetivos alcançados tornam-se duráveis. O Bruno (Quick) tinha o sonho de realizar os sonhos dessas comunidades. E assim chamou as pessoas em quem confiava para fazer com que os líderes territórios possam conduzir os destinos do território”.

Inocêncio de Oliveira, por sua vez, destaca o papel auxiliar do Sebrae em todo o processo que vai da constituição dos grupos até o alcance dos objetivos estabelecidos. “O Sebrae não desenvolve as pessoas; ajuda as pessoas a se desenvolverem. O Sebrae não desenvolve uma região.

Ajuda as lideranças e a comunidade locais a desenvolverem a região. E o apoio do Sebrae não é circunstancial; é permanente. Somos os facilitadores. Apenas damos o formato; o conteúdo vem do grupo. É muito diferente de outros consultores, que ditam para onde as pessoas têm de ir”.

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