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Chef brasiliense avalia processo de auto-reinvenção e influência no restaurante Universal, que une todas as tribos de Brasília

Crédito: Ricardo Castilho Jr. / Prazeres da Mesa

Danilo Viegas

Quando no dia 15 de agosto a chef Mara Alcamim subiu ao palco do Centro Universitário IESB para sua palestra no Congresso Abrasel | Mesa ao Vivo Brasília, ela trajava consigo, por baixo do dólmã, uma camiseta com os dizeres Foda-se. Segundo Mara, esse era um dos ensinamentos de seu processo de auto-reinvenção intitulado “da merda à felicidade”.

A chef, um dos símbolos da gastronomia brasiliense, chegou a comandar na capital do País dois conceituados restaurantes (Universal e Zuu), uma padaria gourmet (Quitinete) e uma indústria de alimentos. Em 2011, seu império ruiu e quase todas essas empresas que valiam juntas cerca de R$ 5 milhões foram vendidas por menos de R$ 500 mil. Mara ainda vendeu absolutamente tudo que tinha para pagar R$ 2 milhões em rescisão para 250 funcionários. “Era a chef mais premiada e metida a besta que existia na face da terra, com carro conversível, lancha no lago e morando em cobertura. Me achava a Mulher Maravilha: tudo queria, tudo podia”.

Na vida pessoal, o carma persistia. “Era casada há 14 anos e numa segunda-feira minha mulher sentou na cama e disse: ‘tô indo embora de casa’. Durante meses esperei um contato, um encontro, que as coisas fossem mudar. Olhava pela janela do meu escritório esperando que viesse alguém me tirar daquela situação. Mas ninguém entrou, ninguém me salvou, nem eu de mim mesma. Durante essa apatia, passeis sete meses comendo chocolate e pão. Engordei 13 quilos e me tornei uma pessoa que não ria nem sentia absolutamente nada”, diz.

O processo de auto-reinvenção foi lento e a chef continuou a frente do Universal, um dos restaurantes expoentes de Brasília, que com 22 anos de história se tornou uma parada obrigatória para quem quer deseja experimentar o melhor da gastronomia candanga. “Mostrei que é possível estarmos no fundo do poço, com merda até o nariz, e ainda assim termos energia para trilhar o caminho para uma nova jornada”. Para sua “ressurreição”, Mara fez retiro espiritual, aprendeu a meditar, jogou fora os remédios de bipolaridade, voltou a malhar e se alimentar melhor. A chef destaca cinco pontos importantes para o aprendizado pessoal, um processo que ela batizou como “da merda à felicidade”: admita os erros; saiba perdoar; você tem que mudar; seja grato e ame; aperte o f****.

Os ensinamentos não ficaram apenas na teoria; Mara assinou cada uma das 250 rescisões dos funcionários, alguns que até a ameaçaram de morte com ho’oponopono, prática havaiana com vista à reconciliação e ao perdão. O “mantra” é composto por quatro frases principais: Sinto muito. Me perdoe. Eu te amo. Sou grato.

“Se hoje não tenho todas as empresas que eu tinha é que porque estou aprendendo que meu caminho é outro. Tenho um olhar totalmente diferente pra minha cozinha, pro pequeno produtor. Levanto agora a bandeira dos orgânicos, pra tudo aquilo que é saudável, pra um ambiente de trabalho feliz. Estou ligada hoje mais nas minhas verdades do que os prêmios falavam o que eu tinha que fazer”, diz.

Mara enxerga seus erros e diz que quebrou para aprender a virar gente. “A primeira coisa que aprendi é que quanto mais coisas eu tinha, menos eu estava nesses lugares. Você tem de estar dentro do seu negócio, não tem mágica. Agora, estou no Universal todos os dias, colada na equipe o tempo todo e descobri que é infinitamente melhor ter uma casa muito bem estruturada do que várias mais ou menos”.

Uma candanga universal

Filha de pais goianos que saíram da roça para ajudar na construção de Brasília, Mara nasceu num barraco de madeira na Cidade Livre. A vida entre as panelas não estava em seus planos. Até gostava de cozinhar, mas havia o estigma de que mulher não deveria estar dentro de cozinha profissional, por isso, não assumia a vocação. Tentou administração, mas largou no primeiro ano e, para pagar o curso de fotografia em Nova York, foi parar na cozinha. Apesar de ter lutado contra a vocação, após a temporada de três anos na Big Apple, Mara voltou para Brasília decidida a abrir o Universal.

Há uma identidade forte na decoração aconchegante do restaurante, que de certa maneira ajuda a contar a história do lugar. Quem chega ao Universal, logo se depara na fachada com metade de um Fusca rosa pendurada numa parede xadrex. Na entrada, uma barra vertical para pole dance. “Começou por total falta de dinheiro. Comprávamos tecido para fazer cortina e sobrava, aí eu o colava na parede. Aparecia uma rachadura, sobre ela eu colocava um quadro. Fora isso trazia muitas coisas de cada viagem que fazia”, diz Mara.

Na lista de quebra de paradigmas do Universal estava o acolhimento à população LGBT e o desafio de mostrar que o restaurante era mais que um local descontraído, e sim um espaço para boas comidas. Já que, ainda na época de sua inauguração, Brasília mantinha costumes conservadores e uma cena gastronômica em construção.

Hoje, as questões são outras. “A gastronomia está muito chata. Nunca se assistiu tanto programa de gastronomia e se cozinhou tão pouco em casa. As pessoas se sentam hoje no restaurante e perguntam tecnicidades sem nunca ter entrado numa cozinha”.

Gratidão viu, meu bem

Dona de uma personalidade espontânea e divertida, após contar sua trajetória pessoal durante o Congresso Abrasel, a conclusão de Mara foi a seguinte: “a gente precisa passar por todos esses perrengues pra chegar onde estamos, essa é a grande verdade. Não dá pra ficar botando desculpe e vitimismo na frente de tudo”.

Sinal de que quando a apresentou como “uma fênix que nos lembra que temos nos renovar sempre e olhar pra frente”, o diretor da Prazeres da Mesa, Georges Schnyder acertou em cheio ao citar Mara como mais que uma chef, e sim como uma agitora cultural e gastronômica, uma incentivadora do que o Brasil tem de melhor. Em resposta, ao subir ao palco, a chef agradeceu com palavras que a descrevem perfeitamente; “gratidão viu, meu bem”.

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