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Da exaltação à pizza napolitana até o trabalho com ingredientes do cerrado, o chef brasiliense conta sua apaixonante jornada no empreendedorismo gastronômico em busca de identidade

Por Danilo Viegas

Gil Guimarães é Chef da Baco Pizzaria, Parilla Burger e Hop Capital Beer, em Brasília, e Napoli Centrale e C6 Burger, em São Paulo. Foto: Divulgação

O Congresso Abrasel é o auge dos eventos promovidos pela Abrasel ao longo do ano. Discute-se lá os rumos do empreender gastronômico do Brasil. Construir um evento dessa magnitude é um desafio imenso. Há a demonstração da força política da entidade durante a solenidade de abertura, mas também um esforço tremendo para oferecer conhecimento a quem empreende neste segmento, o famigerado setor de alimentação fora do lar.

Eu costumo dizer que a Abrasel funciona como um farol que ilumina empreendedores em busca de mais produtividade em seus negócios. O fórum de palestras do Congresso tem esse propósito, mas ultimamente uma outra fonte de informação vem ganhando espaço: as visitas-técnicas.

O próprio nome reforça a ideia central do acontecimento: uma imersão a um bar ou restaurante de sucesso para saber em primeira mão o “pulo do gato” da operação: proposta de identidade, cardápio, relacionamento com a brigada de atendimento e leitura às mudanças de comportamento do cliente.

Este ano, a Abrasel reuniu empresários e entusiastas para uma visita a um dos destaques já consolidados da cena brasiliense: a Casa Baco, do premiado (e simpático!) chef Gil Guimarães.

Figura marcada no cenário gastronômico brasileiro, Gil parece ser acima de tudo um entusiasta da gastronomia. Quando fala sobre comida, fala com paixão. Despido de vaidade, tem sempre um sorriso largo no rosto como quem com sua simplicidade está sempre pronto para ajudar os amigos.

Como bem explica a jornalista Luciana Barbo na conceituada revista Prazeres da Mesa, “a Baco é uma marca consolidada em Brasília. Fruto da paixão do chef Gil Guimarães pela pizza, com casas que se tornaram referências também no Brasil por serem certificadas com o selo da Associazione Vera Pizza Napoletana, a Associação da Pizza Vera Napoletana, que atesta a autenticidade da receita.

No entanto, quando o cozinheiro assumiu o compromisso de abrir mais um empreendimento, desta vez no Shopping CasaPark, a intenção era ir além, inserindo no menu pratos clássicos da cozinha italiana, como a lasanha, e criações autorais e afetivas, elaboradas a partir de ingredientes regionais.

Basta lembrar que Gil é um dos participantes dos movimentos Panela Candanga e Cerrado no Prato e, não à toa, agregou o substantivo ‘casa’ ao nome do empreendimento. Afinal, onde mais a gente se sente totalmente confortável?”.

Durante sua apresentação na visita-técnica da Abrasel à Casa Baco, Gil falou sobre seu caminho percorrido na gastronomia, desde a pizza napolitana até o sentimento de pertencimento ao cerrado brasileiro, que permeia o cardápio da Casa Baco. Eis aqui para o leitor da Bares & Restaurantes trechos de seu depoimento:

O início da jornada

“Eu sempre caminhei no tradicional da classe média de Brasília, né? Mas aquilo não tinha nada a ver comigo. Primeiro que eu não conseguia ficar sentado. Dei a louca, larguei tudo e fui pra Paris estudar pão e vinho. Dentro do universo de padaria e vinho fiz algumas coisas de gastronomia, voltei ao Brasil e abri uma feirinha de gastronomia em 1999, a Quituart.

Nunca naquele momento imaginei que iria fazer pizza. Só que no meu curso de padaria lá em Paris na última semana fiquei livre e comecei a fazer a ponte entre o pão e a pizza, tudo ali brincando.

Quando eu abri a Baco, junto com uma barraca de vinhos, pensei: como vou fazer para vender pão e vinho? Por mais que seja uma coisa que todo mundo gosta, há 23 anos era uma coisa impensável. Fizemos então uma pizza que não vendemos mais: a pizza romana fininha. Fazíamos naqueles fornos pequeninos. Ali eu comecei a entender que a pizza era a coisa que me sustentava.

Logo no começo da jornada, ganhamos prêmios na revista Veja Melhores de Brasília no quesito pizza. A ficha começou a cair e foi aí que pensei: ‘Preciso entender de pizza!’. Já conhecia Nápoles mas como turista. Fui pra lá e fiquei perambulando tentando descobrir novas receitas de pizza e estudei sobre a Associação Verace Pizza Napoletana.

A pizza napolitana foi o que norteou a minha vida até hoje. Foi o que fez a Baco ficar conhecida e gente ficar duas vezes eleita como a melhor pizza do Brasil. Os prêmios são legais? Claro, mas o que vale são os amigos e clientes. Esse sentimento de estar feliz."

Restaurante Casa Baco, do chef Gil Guimarães, localizado em Brasília. Foto: Divulgação

Da pizza à pandemia

"Por que eu tô falando da pizza? Se faço hoje uma comida que me leva pra essa questão de pertencimento à região, uma comida de raiz, a pizza complementa esse sonho. A Casa Baco foi aberta no Shopping Casa Park em 22 de fevereiro de 2020. Ou seja: pouco mais vinte dias antes de fechar tudo devido às restrições impostas pela pandemia.

Para o shopping não fazia sentido em ficar com a gente aqui operando apenas com delivery, que não era nem consolidado ainda. Havíamos contratado 55 pessoas. Ficamos com 12 pessoas que distribuímos em outras casas. Lembro que disse: vocês serão convidados a voltar. E não é que realmente depois de toda essa tempestade de pandemia voltaram 80% das
pessoas?

Temos outras unidades com identidades diferentes em outros pontos de Brasília e participo também, por exemplo, de uma casa de hambúrguer no aeroporto da cidade, fazemos uns hambúrgueres legais, gostosos, mas por mais que seja muito bem feito, é algo mais empresarial que necessariamente gastronomia e paixão.

Então depois de todas essas empreitadas, sinto que a Casa Baco é a construção da história da minha vida. Tudo que eu fiz tentei fazer o melhor possível pra no final colocar aqui. E aí a pizza napolitana que a gente só vende ela à noite. Porque a gente já percebeu que no Brasil é muito difícil vender pizza no almoço. A gente vendia muito na Nápoles Central, não sei se estivesse lá em São Paulo".

A construção do cardápio com comida do cerrado

"O brasileiro gosta de comer pizza à noite. Então temos aqui na Casa Baco dois cardápios: apizza napolitana com alguns pratos à noite e uma comida do cerrado. Essa é a história que eu quero contar na minha cozinha, apresentar ao público uma comida brasileira.

Oitenta por setenta e cinco por cento do nosso movimento é a noite e essa noite segura o almoço. Às vezes eu falo, nossa, será mais fácil pra mim nem abrir o almoço e segurar a noite. Por mais que a gente tenha um movimento muito bacana no almoço também, principalmente sexta, sábado e domingo, mas a casa se vira no almoço. E aí a pandemia ensinou algumas coisas interessantes assim.

Acho engraçado essa nossa mania de ficar procurando rótulos pra tudo, né? Definimos muito o que a gente faz, daí a gente se limita. A Baco é uma casa italiana? Sim, mas é uma casa italiana com produtos do cerrado e influência brasileira.

Me lembro muito de uma frase bem verdadeira que o Erick Jacquin (chef francês alçado à fama popular por ser jurado do programa MasterChef ) disse ao Alex Atala. “Alex, você nunca vai conseguir fazer comida francesa como eu. Nasci na França, cresci respirando aquela comida, vivendo o dia a dia com as pessoas ao meu redor. Da mesma forma que eu nunca vou fazer comida brasileira como você, que nasceu aqui”.

Acho que cada um faz o que sente melhor (ou o que sente que sabe fazer melhor), o que julgar que pode dar dinheiro para se sustentar. Demorei anos para perceber isso, a relembrar da minha família na cozinha".

A ponte entre o empreender e a memória afetiva

"Minha mãe é uma grande cozinheira, principalmente de comida mineira. Essa coisa caseira, tendo a mesa como centro da casa. Não só em Minas Gerais, mas em todo o Brasil isso é muito importante. Quando eu morava no interior de Minas, fazíamos linguiça, goiabada, queijo curado. Era todo um mundo que estava na minha cabeça no quintal de casa.

Tenho muita influência disso na minha cozinha: a França, a Itália, mas sobretudo a influência de Minas Gerais, de Goiás, da minha mãe e avó. Obviamente tenho pratos icônicos como a Lasanha à Bolonhesa. É uma receita idêntica àquela que está deposita na Câmara de Comércio de Colombo.

Mas outras coisas a criatividade permite a mudança, assim é a boa gastronomia. Quando alguns pratos chegam ao Brasil, podemos começar a usar os nossos produtos, do Cerrado, da nossa terra, por exemplo aquele bolinho de risoto. A gente tem aqui o capiau, que é o feito com canjiquinha. Há uma brasilidade dentro do cardápio, eu trabalho isso com as influências na minha vida".

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