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Programa lider, do Sebrae: um ponto de ascendente inflexão na metade sul do Rio Grande do Sul

Luciana Prado/Embrapa Uva e Vinho

Ao se dividir o território gaúcho em duas metades, os analistas em desenvolvimento regional concluíram que o Norte é bem mais desenvolvido do que o Sul. Esta conclusão fez com que se lançasse na parte meridional do Rio Grande do Sul, em 2010, o projeto piloto do Sebrae Nacional, denominado Programa para Desenvolvimento Regional (LIDER). O lançamento ocorreu em Pelotas, polo dessa metade Sul.

Pelotas, oitavo PIB gaúcho, situa-se a 49 quilômetros de Rio Grande, a cidade portuária que, na classifição municipal, é o quarto PIB do Estado. Rio Grande fica atrás, apenas, de duas outras cidades da região metropolitana, grudadas uma à outra (Porto Alegre/ Canoas), sendo superada, também, por Caxias do Sul, na Serra Gaúcha.

Em uma publicação do Sebrae sobre o LIDER gaúcho, há a informação de que o PIB dos 43 municípios da metade sul do Estado é 25% menor do que o PIB per capita dos 13 municípios da Serra Gaúcha, localizada na metade norte.

Ainda que o Sul disponha de cidades dinâmicas, há uma falta de vitalidade social, cultural e econômica na maioria dos 44 municípios dessa ampla região, que territorialmente correspondem, grosso modo, à metade do Estado.

Os centros urbanos de maior referência assim se projetaram, às vezes em função do vigor econômico, como é caso da cidade portuária de Rio Grande, ou em razão de serem um polo educacional/cultural, tal como destacadamente ocorre com Pelotas, que dispõe de aeroporto, porto fluvial-lacustre, emissoras de televisão, teatros, museus, cinco instituições de ensino superior e quatro grandes escolas técnicas.

Outras cidades que mais se sobressaem, por diferentes motivos, são as de Bagé (sede da Embrapa Pecuária Sul), Santana do Livramento (a de maior tradição na vitivinicultura da região), Uruguaiana (divisa da Argentina com Uruguai) e Dom Pedrito, onde se localiza o campus da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no qual se inaugurou, em 2011, o curso de bacharelado de Enologia.

O propósito do Programa LIDER é o de fazer com que, por meio do engajamento de lideranças locais, o desenvolvimento social, cultural e econômico se irradie em ondas em toda a geografia da metade sul do Estado.

O LIDER acabou por turbinar e ampliar um ciclo de negócios que já vinha ocorrendo, mesmo antes de 2010, quando o projeto piloto do Sebrae foi lançado em Pelotas. As notícias sobre o programa na metade Sul do Rio Grande do Sul motivaram vereadores, empresários locais, além dos dirigentes, professores e alunos das universidades.

As comunidades passaram a reconhecer, com uma percepção ainda mais nítida, as atividades que há décadas vêm sendo postas em prática, na região, pela Embrapa Uva e Vinho (sediada em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha), pela Embrapa Pecuária Sul (sediada em Bagé), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e pela Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS).

Em meio ao ânimo local, surgiram investidores vindos de outros estados, como Luiz Eduardo Batalha, o empresário nacional que trouxe ao Brasil a rede americana Burger King.

Ele se tornou, no Sul do Rio Grande do Sul, o maior produtor nacional de azeite. Iniciou a atividade em 2010, com 400 mil oliveiras em 500 hectares, nos municípios de Pinheiro Machado e Candiota, na região de Bagé.

Simultaneamente, lançou em Candiota um condomínio-resort. O narrador esportivo Galvão Bueno também está, desde 2010, produzindo vinho em Candiota, com a marca Bueno Wines.

A exemplo da frente aberta pelo LIDER no Rio Grande do Sul meridional, o Sebrae levou o programa a 73 microrregiões do país, abrangendo 22 estados.

Para ordenar esse conjunto de ações em escala nacional, guiando-se por uma harmonizada metodologia, atua um grupo de consultores, que é integrado por Inocêncio Magela de Oliveira (filósofo, pedagogo e pós-graduado em Desenvolvimento de Cooperativas), Cláudio Veras (engenheiro, especialista em Desenvolvimento Regional, e pós-graduado em Gestão de Negócios), e Augusto Portugal (arquiteto, urbanista pós-graduado em Planejamento do Desenvolvimento).

Augusto Portugal


Augusto Portugal, consultor do Sebrae, arquiteto, urbanista, pós-graduado em Planejamento do Desenvolvimento

O que é, na essência, o Programa LIDER, do Sebrae?

O LIDER é uma estratégia de desenvolvimento que se baseia na mobilização de micro-regiões, através de suas lideranças, que definem seu futuro e se estruturam para construí-lo. Com esse movimento ocorrendo em todo o país, pretende-se um salto quantitativo nos indicadores econômicos e qualitativo nos sociais.

Como?

Com foco nas microrregiões brasileiras, identificar as mais autênticas lideranças locais, que tenham sonhos convergentes, voltados à prosperidade do território em que vivem.

E, a partir daí, criar um ambiente para que essas múltiplas lideranças conversem juntas, com o objetivo de fazer com que os seus sonhos de prosperidade comunitária se realizem. Cabe ao Sebrae, com base em uma metodologia, agir como agregador e catalisador da união dos esforços coletivos.

Como os consultores do programa LIDER identificam e localizam as lideranças?

São identificadas no terceiro setor, nas associações de classe, nas universidades, na esfera pública e no mundo dos negócios, abrangendo do pequeno empreendedor ao grande empresário. As lideranças moram nos diversos municípios da região que é o foco do programa.

São aquelas pessoas que fazem a diferença nos lugares onde vivem, e têm o respeito e a aceitação da comunidade.

No seu conjunto, elas tornam-se as presenças e as vozes dos seus respectivos municípios. O resultado é que o LIDER não agrega somente as lideranças; com elas, agregam-se os seus municípios de origem.

As lideranças passam a se conhecer e a interagir. Lado a lado, traçam uma visão compartilhada do futuro e se tornam um time coeso na hora de implementar as políticas e
diretrizes definidas.

O fundamento do programa é juntar o que está separado.

É isso que acaba acontecendo como resultado do programa LIDER, em um processo sempre contínuo e evolutivo. Trata-se de mudar uma cultura, trazendo à tona as potencialidades e os valores locais.

O resultado é muito consistente, porque vem do engajamento coletivo, da cooperação, da complementariedade. Remove-se o anacronismo do personalismo, em que figuras fortes davam ordens, impunham de cima para baixo o velho modelo centralizador e vertical.

De acordo com a metodologia do programa, uma vez arregimentados os líderes, forma-se o colegiado da região, que, por sua vez, define os objetivos. Os eixos aprovados pelo conjunto dos líderes do Sul do Rio Grande do Sul foram o agronegócio, o turismo e a educação.

Os objetivos, as diretrizes e ações traçados pelo conjunto dos líderes locais do programa, com o auxílio dos facilitadores do Sebrae, acabaram sendo propagados em todas as comunidades. Foram, em geral, muito bem recebidos nas esferas públicas regionais.

Os líderes passaram a promover encontros para apresentar o projeto e arregimentar apoiadores e novos participantes. Gerou-se um clima de boa vontade que contaminou, prefeitos, empresários locais, dirigentes, professores e alunos das universidades.

A propensão a colaborar estendeu-se às empresas federais, como a Embrapa Pecuária Sul, sediada em Bagé, e a Embrapa Uva e Vinho, sediada em Bento Gonçalves, do outro lado do Estado, na Serra Gaúcha. Vieram contribuições efetivas do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural, a Emater gaúcha.

Como reagiram as universidades da região?

As universidades de Pelotas e da Campanha Gaúcha estão muito presentes no apoio direto e indireto às ações do LIDER. A Unipampa (Universidade Federal do Pampa) inaugurou no seu campo da cidade de Dom Pedrito o curso de bacharelado em Enologia.

Passaram a se formar jovens, moças e moços, que se empregaram na vitivinicultura local. A Universidade Católica de Pelotas, por sua vez, hospeda o Observatório do LIDER, que produz estatísticas, diagnósticos e mapeamento das potencialidades do sul-rio-grandense.

E há um importante transbordamento para fora da região, com a participação da Unisinos, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, que está situada em São Leopoldo, cidade da região metropolitana de Porto Alegre cerca de quinhentos quilômetros distante de Santana do Livramento, a cidade de maior tradição na produção dos vinhos da Campanha Gaúcha.

Com forte expertise na área do turismo a Unisinos responsabilizou-se pela execução do programa turístico dos roteiros das vinícolas.

Como nasceu o programa LIDER?

O projeto piloto do LIDER, no Brasil, começou na cidade de Pelotas em 2010, na mesorregião Sudeste do Rio Grande do Sul. Posteriormente, acrescentaram-se os polos de Bagé e Uruguaiana, que fazem parte da mesorregião Sudoeste.

Então, dos 73 territórios do LIDER, que vêm sendo levados adiante em todo o país, três são gaúchos. Eles acabam se articulando e, em muitos momentos, atuando em conjunto.

Em quais áreas do Rio Grande do Sul?

São três frentes do LIDER gaúcho, que, somadas, cobrem toda a metade Sul do Rio Grande do Sul. Das três frentes, uma delas cobre a região do Sudoeste estadual, no vértice Oeste da fronteira do Brasil com a Argentina e Uruguai, tendo Uruguaiana como polo.

Já a região Sudeste subdivide-se em duas frentes: uma delas é da Campanha Gaúcha, que tem Bagé como polo, e a outra é a mais litorânea, que tem Pelotas e a cidade portuária de Rio Grande como os centros urbanos de maior destaque.

Por que se prefere estimular o desenvolvimento em um território regional e não, isoladamente, em cada município?

O município isolado tem cada vez menos força. A economia no mundo contemporâneo extrapola as fronteiras dos municípios. O que se vê, cada vez mais, são territórios articulados para o desenvolvimento onde as fronteiras municipais praticamente inexistem.

Uma área industrial em um município, por exemplo, gera economias de agregação nos municípios vizinhos. Como as ondas concêntricas que se abrem quando uma pedra é jogada na água. Até a produção agrícola se expande por toda a região onde ocorre aquela cultura.

Transporte, comercialização, industrialização, pesquisa e desenvolvimento, atração de trabalhadores, novas fábricas, escolas e universidades, vida social, hospitais, etcetera, etcetera. Isso ultrapassa as fronteiras municipais e obriga a pensar de forma mais ampla.

O desenvolvimento acontece quando esse espaço econômico e social se estrutura bem, o que exige a articulação entre os municípios que são, na essência, instâncias políticas. Sem essa articulação, muitos vão perder, com certeza.

Qual é a técnica para se motivar tanto ânimo nesses grupos de líderes?

O ânimo vem da maneira de se compor o grupo. Procuramos as pessoas que já exercem liderança na comunidade, seja a do setor público, seja do setor privado, e seja do terceiro setor. São pessoas que têm a capacidade de impulsionar, de mobilizar, de entusiasmar os outros, agregando-os, estimulando-os a lançar suas ideias.

Eu me lembro de um participante do LIDER de Uruguaiana, aquela cidade que está bem no cantinho do Brasil, que tem duas fronteiras fluviais, com a Argentina e o Uruguai. Ele me dizia: “Coisa boa a gente se reunir.

Vir uma vez por mês a este grupo, trocando ideias sobre o que fazer para melhorar o lugar. Isso faz com a gente se abra para as pessoas, se comunique, abrindo canais de relacionamento, vendo as coisas acontecerem. Não fosse isso, passava o tempo todo lá na fazenda, trabalhando no campo”.

E o que, concretamente, voltando ao tema do LIDER gaúcho, faz com que as lideranças saiam da teoria para a prática?

Primeiramente, difundem-se entre as lideranças, que seguidamente se reúnem nesses encontros as mais irrefutáveis evidências de que estamos todos os sul rio-grandenses, em uma região que é uma mina em grande parte ainda inexplorada.

O Sebrae trabalha muito na ativação dos grupos, levando todos a se motivarem diante das perspectivas que concretamente se abrem ou se alargam, como é o caso da vitivinicultura.

Enfim, a partir da comunidade há uma conuência das lideranças, das instituições públicas, do terceiro setor, da área acadêmica, do mundo corporativo e até mesmo de um diversificado e ambientalmente sustentável Bioma Pampa. Como nasceu essa ideia do LIDER?

A ideia veio do Bruno Quick. Ele é hoje o diretor técnico do Sebrae nacional. Era, na época, o gerente da Unidade de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial. Bruno dizia que o Sebrae tinha que fazer mais do que, simplesmente, ajudar os empreendedores individualmente.

Não adiantava ter um empresário preparado e uma empresa bem montada se tinham que atuar num ambiente econômico hostil. Acabou convocando uma reunião de gestores do Sebrae e alguns consultores. Lembro-me que havia umas quinze pessoas. Houve, posteriormente, várias outras reuniões com o mesmo tema.

No final, decidiu-se levar adiante a ideia do Bruno de se deflagrar um programa de desenvolvimento territorial nas microrregiões de todo o país. Ele convidou os três consultores do grupo para formular a metodologia. Eu era um dos três.

Os outros dois são o Inocêncio de Oliveira, filósofo, pedagogo e graduado em Desenvolvimento de Cooperativas, e o Cláudio Veras, engenheiro, especialista em Desenvolvimento Regional e pós-graduado em Gestão de Negócios.

Depois de todo o trabalho de produzir uma metodologia veio a importante questão: Por onde começar? Nesta hora o superintendente do Sebrae Rio Grande do Sul, Derly Fialho, se propôs a aplicar em região do Rio Grande do Sul e foi escolhida a região de Pelotas.

Na sequência vieram as regiões gaúchas da Fronteira e da Campanha. Hoje, Derly é o gerente de Desenvolvimento Territorial do Sebrae Nacional. Assim começou, há mais de dez anos esse sonho que hoje já está fazendo a diferença em 73 regiões de todo o país. E muito mais ainda virá.

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