Adesão à alimentação vegetal influencia na criação de cardápios que evidenciam sabor dos alimentos; é o que afirma a consultora Carolina Dini
A gastronomia à base de vegetais está experimentando uma ascensão no setor dos bares e restaurantes, transformando a maneira como os estabelecimentos encaram a alimentação. A mudança de comportamento e demanda dos consumidores vem influenciando diretamente na elaboração dos pratos dos estabelecimentos.
Nesse cenário de aumento de interesse por escolhas alimentares à base de vegetais, os empreendedores precisam pensar em opções saborosas para seus cardápios.
A equipe de reportagem do podcast O Café e a Conta conversou com Carolina Dini, a idealizadora do projeto Cebola na Manteiga, uma iniciativa criada para ensinar e facilitar a vida de empreendedores que desejam ampliar seus cardápios com receitas vegetais. Confira a entrevista:
Bares&Restaurantes: A mudança de comportamento dos consumidores em relação à alimentação vegetal? Qual espaço você acha que a alimentação com base vegetal tem no mercado?
Carolina Dini: Eu acho que é um mercado crescente. As pessoas estão buscando cada vez mais se alimentar de forma vegetal; a gente vê em pesquisas do IBGE, em parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira e o índice cresce absurdamente, ao todo, 14% da população brasileira é vegetariana.
Nós somos o país com o maior número de vegetarianos na América Latina, então, temos esse movimento muito crescente. E mais do que isso; comida é comida, e comida boa chama atenção de qualquer pessoa.
O foco do meu trabalho é esse, é dizer que essa comida pode abraçar todos os paladares, não só das pessoas que optam por esse tipo de alimentação.
Como você acha que os bares e restaurantes podem se preparar para se adequarem a esse comportamento dos consumidores?
Eu acredito que os vegetais já estão nos cardápios, mas penso que a forma de abraçar mais esse público é trazendo opções totalmente vegetais, que fujam do óbvio.
Nós vemos nos bares, aqui em Belo Horizonte, por exemplo, muita batata frita e mandioquinha frita, mas é preciso pensar além disso. Acredito que vale a pena adotar opções que fujam dos ultraprocessados, já que muitas vezes as pessoas estão buscando lugares para frequentar com os amigos que não necessariamente comem só vegetais. Nesse sentido, a gente tem um buraco, mas o cenário está mudando.
Eu tenho visto estabelecimentos que já buscam opções vegetais desde o primeiro momento, além de outros bares e restaurantes tradicionais, com muitos anos no mercado, que também estão buscando trazer esse olhar. É uma visão que não é necessariamente inovadora, mas é inclusiva.
Você acha que os bares e restaurantes tendem a ignorar os consumidores que optam pela alimentação à base de vegetais?
Eu acho que não é bem ignorar, acredito que é uma falta de conhecimento. As pessoas têm dificuldade de entender que essa comida à base de vegetais pode ser gostosa.
O número de vegetarianos cresceu muito, são quase 30 milhões de pessoas hoje no Brasil, de acordo com o IBGE. Nesse cenário, esse número tende a aumentar cada vez mais; é um movimento que tem tendência no mundo inteiro.
Diante disso, eu vejo que cada vez mais pessoas buscam o meu trabalho como consultora para poder implementar opções vegetais em seus restaurantes, fugindo dos ultraprocessados. É preciso entender melhor o que esse público consome quando quer sair de casa.
Quais técnicas culinárias podem ser utilizadas pelos empreendedores na hora de reformular ou acrescentar opções vegetais em seus cardápios?
Técnicas são técnicas; assim, eu acredito que todas as técnicas que são aplicadas na carne podem ser feitas também com o vegetal. Marinar, grelhar, fritar, empanar, dá para fazer tudo.
Meu olhar para um vegetal é o mesmo que uma pessoa carnívora tem para uma carne; acredito que a dificuldade é entender que os vegetais podem ser mais bem trabalhados.
É possível aplicar diferentes técnicas uma peça de tofu, que é a primeira comida vegetariana que pode vir na mente do empreendedor - tofu ou cogumelo - mas além disso, dá para aplicar técnicas em todos os outros vegetais.
É possível trabalhar com uma couve-flor inteira, uma berinjela, fazê-la defumada, servir com um molho e colocar gordura ou acidez. O importante é pensar na constituição física do alimento.
O vegetariano não quer opções apenas saudáveis. A gente quer também sabor, um vegetal transformado e se lambuzar com o prato. Essa associação que os vegetarianos só querem opções puramente saudáveis é o maior erro que os restaurantes podem cometer.
Nós queremos comer comidas fritas também, enfim, queremos comer como qualquer outro ser humano.
Existem certos alimentos que fazem parte da cultura imaterial das regiões do Brasil. Pensando nisso, é uma opção o empreendedor aproveitar desse cenário para inovar em seu cardápio, consumindo de pequenos agricultores, por exemplo?
Esse é outro recorte que nós associamos ao vegetarianismo. Nós relacionamos que a alimentação vegetal é essa comida saudável, essa comida que vem direto do produtor, mas não necessariamente é esse o caminho.
Eu conheço muitos vegetarianos que só comem comida ultraprocessada, que não aprenderam a fazer a transição alimentar. Então, eu acho que vale a pena a gente procurar pensar nas leguminosas, nos cereais, nos vegetais, nas folhosas.
Nesse sentido, o contato com o produtor é uma busca pela saúde, mas também pelo gosto da comida, eu acredito que temos que pensar nessas duas frentes. Em Belo Horizonte, especialmente, existe o Cinturão Verde; são muitas feiras, tem muita disponibilidade de agroecologia.
Não são só produtos orgânicos, mas agroecológicos também. No site da prefeitura existe uma lista enorme de produtores, além de feiras que estão precisando de pessoas frequentando. Então, a gente tem que trazer à mesa essa discussão da agroecologia, de um alimento sem veneno.
É possível que o microempreendedor vá além do óbvio em suas opções de pratos?
Com certeza! A comida vegetal mineira, por exemplo, é uma comida dos nossos povos originários; os animais foram trazidos pela colonização.
Então, se formos pensar numa tradição da comida não colonial, temos uma variedade da comida vegetal, dos refogados, das comidas de panela. Isso é tão mineiro, é tão maravilhoso; então, é trazer esse protagonismo dos vegetais para o prato, mas não necessariamente pensando numa substituição.
Eu acho que esse é um erro também, essa necessidade de imitar a textura da carne, de chamar o steak de couve-flor. Acredito que nós temos que fugir um pouco disso, porque cai numa busca que nós vamos sair perdendo; você não vai ter a mesma textura.
Então, eu acredito que é inovar, criar uma comida autoral que realmente seja gostosa. Se a gente for pensar em um boteco, temos muitos lugares que servem bolinho de feijão, o que já é uma maravilha.
Se a pessoa tem uma dificuldade, vai no mais fácil primeiro, para depois tentar fazer algo mais complexo, mas temos muitas opções maravilhosas.
Confira abaixo a entrevista completa com Carolina Dini para o podcast O Café e a Conta!