Ivan Achcar é um renomado chef, pesquisador e especialista em gestão de negócios gastronômicos brasileiro, com mais de 30 anos de experiência na área. Já trabalhou como consultor para vários restaurantes e empresas de alimentos, e os ajudou a melhorar seus processos de negócios e aumentar a lucratividade.
Além de sua atuação como chef e pesquisador, Ivan Achcar ministra cursos e treinamentos para proprietários de negócios gastronômicos, nos quais compartilha estratégias e dicas para alcançar o sucesso em um mercado altamente competitivo.
Ele é um dos fundadores da pioneira EGG Educa, escola de gastronomia que tem como objetivo oferecer educação de alta qualidade para profissionais e entusiastas da culinária. A instituição foi criada no intuito de preencher uma lacuna na educação voltada para o setor no Brasil, e oferece cursos que vão desde a cozinha básica até a alta gastronomia, passando pela confeitaria e a gestão de negócios.
A EGG Educa rapidamente se tornou uma referência na educação gastronômica no Brasil, atraindo alunos de todo o país e do exterior. Nela, Ivan continua a atuar como professor e mentor e contribui para a formação de novos talentos na gastronomia brasileira. Seu trabalho como chef, pesquisador e especialista em gestão de negócios tem sido uma inspiração para muitos no segmento, e seu compromisso com a educação e a promoção da nossa culinária tem ajudado a elevar o status da gastronomia brasileira no cenário internacional.
Confira abaixo a entrevista concedida por ele ao nosso podcast O Café e a Conta.
A tendência já desenhada para esse ano no setor de gastronomia é falar da experiência do cliente, que é mais importante do que nunca e, nesse pós-pandemia, se tornou vital para os negócios. Como esse conceito foi retrabalhado e por que ele é tão importante hoje?
Desde que se criou a ideia de restaurante, o mais importante de tudo é a ideia da experiência. Restaurante vem da palavra restaurar, e nasce partir de um caldinho.
Você está viajando na Europa, no frio, para na estalagem para o seu cavalo não morrer e os estalajadeiros começaram a fazer um caldinho, que na França chamava soupe restaurant. E aí já nasce essa história toda da experiência, de você chegar num lugar quentinho, gostoso, frio danado lá fora e eu me aquecer, me restaurar.
Durante os anos a gente vê então um desenvolvimento do restaurante como espaço de experiência, de diferenciação e de indulgência. E ele vai trabalhar nesse ramo até os anos sessenta, porque nos anos cinquenta começa nos Estados Unidos o McDonald's, que tem uma história importante nisso que é popularizar um hambúrguer.
E comer por subsistência, comer para poder viver, é algo que se tinha dentro de casa (ou não), e o momento do restaurante era o momento da experiência.
Assim, nos anos 60 e 70, principalmente no boom do crescimento imobiliário de São Paulo, as pessoas que vinham trabalhar na construção civil migravam de países europeus, muitos italianos, muitos portugueses, muitos espanhóis e migravam de dentro do Brasil.
Chegavam aqui e precisavam comer. Viviam em estalagens, em quartos alugados, e aí aparece o restaurante do PF. Então, nesse momento, nós começamos a desconectar a ideia de o restaurante ser algo bacana que muitas vezes não era acessível e que criava um momento de indulgência.
A própria construção da ideia de experiência é o fundamento, é a pedra fundamental do nosso negócio. Nos últimos três anos, por conta desse disparo imenso do delivery, foi necessário perceber que para trazer o cliente pra perto e mantê-lo com você, para ter sucesso, é preciso entender que você não vende comida, não vende bebida. O que você vende é experiência, seja ela qual for.
Mas isso vale para todo mundo? Porque hoje, no Brasil, a massa do nosso setor é do microempresário. Se você usa uma base ou outra, o critério da receita ou do simples, a grande maioria é do pequeno empreendedor.
Vale. Veja só: quem tem em casa uma pequena operação de confeitaria. Faz bolos para vender, tortas, de repente alguns salgados. Qual experiência essa pessoa está querendo proporcionar ao cliente? Quem pede o seu bolo quer o quê? Porque vamos combinar. Eu posso fazer um bolo em casa, qualquer um faz um bolo simples em casa. Muitas vezes não temos tempo, mas eu não vou comprar um bolo porque eu não tenho tempo.
O bolo é um momento de indulgência. É a tardinha, quero tomar um café com bolo. Qual é esse momento que a pessoa está buscando? Às vezes é o aniversário. Você é muito importante para esta pessoa que está comprando um bolo para o filho, para a filha que está fazendo anos. Para o marido, para a esposa.
Portanto, é fundamental entender essa experiência e entregar valor com um bolo bem feito, bonito, numa caixa bonita, entregar no horário certo, atender de maneira correta e acolher a necessidade daquele seu cliente, trazer para perto. Pega no colo, acolhe, entende, constrói.
Não é “ah, o que você quer? Qual que é o tipo? Está bom. Já vou mandar”. É diferente do outro que atende “como vai a senhora, você veio aqui de novo comprar aquele bolo de chocolate para o seu filho, que maravilha! Vamos fazer um bolo de chocolate diferente, eu sei que ele gosta disso, daquilo. “
Por que você sabe disso? Porque você tem CRM, você tem relacionamento com o seu cliente. Aí você anota: o filho do Zé Edu gosta de chocolate e ele gosta de Sonho de Valsa. Então você começa a entregar um serviço que traz uma experiência. Não importa se você é pequeno, médio, grande, micro ou gigante.
O que importa é olhar para o seu cliente e trazer para ele a melhor experiência. Se você tem um PF, uma das coisas principais que o seu cliente vai querer é o seguinte, seja rápido. Se você demorar para entregar o PF na mesa, muito provavelmente ele vai escolher o próximo.
Agora, o pulo do gato é, pode fazer um arrozinho simples, um bifinho simples, carne está muito cara, não tem problema. Mas se você fizer um baita de um feijão no ponto certo, cremoso, aí você ganha o coração de todo mundo, porque todo brasileiro sente falta do feijão da mãe.
Falando dessa experiência, uma palavra que se acoplou a ela, digamos assim, é a personalização. Você acabou de de citar isso, saber o nome do cliente, ter o CRM, saber do que ele gosta para fazer com que ele volte.
Porque ele se acostume a estar no seu estabelecimento. Como é que isso funciona hoje em dia? A pandemia deu uma bagunçada nas coisas, tinha gente com uma clientela bem estabelecida, mas de repente tudo mudou. Como você agiria hoje para reconfigurar o seu estabelecimento já pensando no futuro?
A pandemia deixou só os muito bons no mercado. Todo mundo que era mais ou menos em termos de gestão teve que fechar as portas. As cartas foram embaralhadas, muita gente saiu da cidade em que morava e foi para cidades menores, se deslocou nesse eixo e aprendeu a gostar e conhecer coisas diferentes.
A questão é que não é diferente do que sempre foi. Naquela cantina do bairro em que todo mundo ia, ou na pizzaria lá do bairro, o dono estava sempre na porta falando “ah seu João, que legal, vai comer aquela pizza”.
Esse CRM já estava na cabeça dele. Agora foi transportado para uma ferramenta, então a primeira coisa é: tenha um sistema, tenha seu próprio CRM, que na sigla em inglês quer dizer Customer Relationship Management e é a gestão da relação com seu cliente. Então é importante ter o e-mail e o telefone dele e anotar as coisas.
Outro conceito para se levar em conta é a regra de Pareto. Ele dizia ter descoberto que 20% das vagens que criava nos pés de ervilha davam 80% das ervilhas. As outras minguavam.
Assim como na natureza, a proporção oitenta-vinte também se repete no seu estabelecimento. 80% do seu faturamento é referente a 20% dos seus clientes. Apenas essa parcela é que gasta recorrentemente no seu negócio e mantém o seu faturamento.
Portanto, temos que pôr muito mais energia em manter felizes os clientes que nós já temos para que eles voltem. Quando uma pessoa consome pela primeira vez no seu negócio, tem cerca de 20% de chance de comprar de novo. Se compra uma segunda vez, são outros 50% de chance de repetir e, na terceira, já são 90% de chance de comprar de novo.
Isso se chama fidelizar. E como é que nós fidelizamos os clientes? Criando um bom CRM. Nesse sentido, a palavra de ordem para qualquer empreendedor é consciência. Tenha consciência para anotar as coisas que o seu cliente gosta, e deixe aquilo sempre num prontuário.
Ele fez aniversário? Mande um presente, uma fatia de bolo. “Que legal, muito feliz que é seu aniversário. Você não comprou o meu bolo dessa vez, mas eu mandei para você uma fatia. ” Ele nunca mais vai deixar de comprar um bolo com você. Porque ele vai falar “nossa, ninguém me trata desse jeito. ” Então você tem que ter um nível de entrega alto.
Agora está muito comum a questão do temático, que entrega uma experiência pronta. Em São Paulo, por exemplo, são vários restaurantes com tema de Piratas do Caribe. Com o tema de selva parece que já são oito, dez casas. Em Gramado também são várias casas temáticas, tem o Jurassic Park, por exemplo.
Então, empacotar aquela experiência com um tema traz o efeito Disney. E aí voltamos lá atrás: a experiência não foi criada ontem, ela é algo muito antigo. E no restaurante temos que contar uma história.
O empreendedor hoje fica um pouquinho perdido porque ele tem que ter um CRM. Mas ele consegue operar um CRM? O cliente está em diversas plataformas e os especialistas falam sobre digitalizar o estabelecimento para conseguir atingi-los.
Mas por onde começar? E para quem já fez o Instagram do estabelecimento e faz uma ação quando é aniversário, mas quer se aprofundar nisso, até onde deve ir? Que valor deve investir, qual é o limite?
Muito mais que dinheiro, você precisa investir tempo. O calcanhar de Aquiles do empreendedor da gastronomia é ser o polvo ou o pato. O polvo tem oito tentáculos, ele consegue fazer muita coisa ao mesmo tempo com um cérebro multifuncional. O pato anda, nada, voa e não faz nada direito.
O empreendedor da gastronomia cozinha, depois vende, entrega e não faz nada bem, porque não tem como fazer nada bem se você faz um monte de coisa. Então a primeira coisa é você conseguir desenvolver uma estrutura de trabalho em que seja possível alguém focar apenas na gestão do negócio e mais nada.
Depois disso, é preciso entender o marketing, que não é publicidade. Muitas vezes as pessoas confundem jornalismo, publicidade e propaganda com marketing. Marketing quer dizer levar ao mercado, ou seja, trazer à luz do mercado.
O levar ao mercado é botar a sua barraquinha na feira. Depois disso você faz o quê? “Olha aí freguesia, mulher bonita não paga, mas também não leva. Tomate bom, o abacaxi está doce hoje” e isso é propaganda. Publicidade é organizar a propaganda.
Então, marketing é adquirir cliente, é fazer preço, é posicionar sua marca. E muito se fala hoje sobre benchmarking, que é referência. Eu faço ovo de páscoa e aquela empresa gigante de mil lojas no Brasil também. Entre eu e ela tem um monte de players no mercado, um monte de jogador nesse futebol.
Quem sou eu na fila do ovo? Para quem eu vendo? Qual preço eu tenho que cobrar? Isso é organizado?
Essa questão é tão sensível que nós da EGG abrimos uma agência de marketing de resultado para restaurantes. Assim como nós fomos primeira escola 100% focada em gestão para negócios da gastronomia, também abrimos a primeira agência de marketing e resultados 100% focado no ramo.
Se você tem um pequeno negócio na porta da sua casa, um médio negócio, muitas vezes o post não vai te trazer nada. Você vai pagar alguém do marketing digital que não faz marketing digital. É isso que eu quero que todo mundo entenda.
Não faz marketing, faz postagem. E postagem não dá dinheiro para ninguém. Nem likes, nem views. O que dá é vender e saber vender. Para isso, temos que alinhar esses Ps: preço, produto, público, praça, promoção e processos.
E se você não entender esta roda da fortuna do marketing, nove em cada dez negócios vão naufragar. São números da própria Abrasel. Apenas um restaurante em cada dez vai passar de cinco anos.
Quando digo restaurante é qualquer negócio que venda comida para outra pessoa. Pode ser um boteco, um bar. Então, nem sempre é começar pelo digital, nem sempre é começar pelo Instagram. Às vezes, um bom e velho panfleto vai resolver mais a sua vida do que a rede social.