Por Danilo Viegas
Do Rio de Janeiro, o chef João Diamante reflete sobre inserção no mercado de trabalho, vulnerabilidade social e defende o trabalho em bares e restaurantes como meio de empoderamento
Um por todos e todos pela gastronomia brasileira. É essa a frase que costumeiramente estampa a camisa do jovem chef carioca João Diamante quando ele realiza palestras Brasil afora para falar sobre a sua experiência no mundo gastronômico.
A exceção é aberta quando veste o dólmã, ao literalmente pôr a mão na massa em aulas-show. O projeto foi batizado por ele como uma “pós-graduação itinerante em cozinha brasileira” e é uma das atividades rotineiras do chef, que se desdobra ainda com o projeto social Diamantes na Cozinha. Prova de que, mais que apenas palavras, a frase na camisa é uma missão em sua trajetória.
Nascido na Bahia, mas criado pela mãe na comunidade de Divinéia, subúrbio do Rio de Janeiro, o chef eleito pelo site Infood como revelação em 2017, se formou por meio de programas sociais. Daí a importância de retribuir essas oportunidades com o Diamantes na Cozinha.
“Fiz parte de ação social a minha infância inteira. Onde o mesmo tem uma grande parcela no meu desenvolvimento pessoal, posso listar mais de 20 projetos que tive a oportunidade de fazer na minha comunidade. Isso me salvou, me tirou das ruas. Sei a importância deles para a comunidade”.
Em entrevista ao podcast O Café e a Conta, o chef reflete sobre inserção no mercado de trabalho, vulnerabilidade social e defende o trabalho em bares e restaurantes como meios de empoderamento. Confira:
B&R: O projeto Diamante na Cozinha, que ajuda a formar profissionais, está agora com uma versão online, devido à pandemia. De que forma a cultura do empreendedorismo pode ajudar na acessão econômica, principalmente para quem está vindo da periferia?
João Diamante: O online é uma grande solução e sabemos que veio para ficar. O mundo está online. Para não deixar as pessoas que se encontram em vulnerabilidade social na mão, decidimos transformar o curso em online.
Outra coisa que é novidade no mercado que vem crescendo são as parcerias, porque hoje ninguém anda sozinho, dificilmente vamos fazer alguma coisa sozinhos.
O aluno do Diamante na Cozinha, hoje, assiste essa aula do chef Felipe Bronze na plataforma Curseria e tem uma espécie de monitoria e algumas aulas extras com nossos professores. São três meses de curso. Optamos por fazer comunidade por comunidade, passamos pelo Complexo do Alemão e agora já estamos terminando a turma do Andaraí e indo para Cidade de Deus.
O “Diamantes na Cozinha” não é especificamente para pessoa aprender a ser cozinheiro, ela está ali de certa forma para ser inserida no mercado de trabalho. É isso mesmo?
A gastronomia é a mais poderosa ferramenta de transformação. Através da gastronomia é possível aprender matemática, português, física, química e história de uma forma muito natural, eclética e inclusiva. Ela está no seu momento de boom e servindo como isca.
Nem todo mundo que faz o curso vai virar um grande chef, um grande barman, garçom ou qualquer profissão do universo de bares e restaurantes, mas vai com certeza se tornar uma pessoa melhor e um profissional mais preparado. Usamos a gastronomia como ferramenta para empoderar e mostrar que as pessoas podem ir onde desejam.
Alguns de nossos alunos estão hoje trabalhando com grandes chefs como Katia Barbosa, por exemplo. Além disso, estão abrindo os seus próprios estabelecimentos, valorizando mais a questão do empreendedorismo.
A primeira válvula do empreendedorismo é o querer. Com isso, no Diamante na Cozinha eles aprendem o saber, para tudo ficar mais fácil e profissional. Sabemos que se não colocarmos o profissionalismo e o conhecimento dentro do empreendimento, a coisa não vai pra frente, não vai durar nem três anos.
A missão do Diamante na Cozinha é realmente empoderar o cidadão e entender que ele pode ir a qualquer lugar que ele quiser por meio do conhecimento.
Puxando para esse lado do poder de transformação da gastronomia, principalmente na questão da inserção social, você palestrou no Congresso Nacional Abrasel em 2018, usando uma camiseta escrito “um por todos e todos pela gastronomia brasileira”. Na sua opinião o que falta para a gastronomia brasileira decolar de fato?
De modo geral as coisas vêm acontecendo, creio que as pessoas precisam de mais diálogo. Essa ligação do campo com a ponta, nos quais são os restaurantes, funcionários e indústria. Todo mundo precisa se falar mais. A sensação que tenho é que há uma disputa: quem faz o melhor, quem mostra mais. Não pode ser assim!
Quando falamos de poder midiático, por exemplo, o holofote joga muita luz para o Rio de Janeiro e São Paulo, talvez pouco de Minas e o Nordeste. O nosso país, porém, é incrível do norte ao sul. O setor precisa de mais união, entender a potência do Brasil.
Veja só o exemplo da gastronomia de Lima, no Peru: o território que o Peru tem não é um terço do Brasil, mas estão na frente na questão de organização, companhia e estrutura. É urgente entender que a gastronomia brasileira não se resume ao sudeste do país. É o Brasil inteiro.
Falando um pouco mais desse “dialogo”: na sua opinião, Como criar um ambiente mais favorável de negócios?
Grande parte de pessoas que empreendem no setor de alimentação fora do lar no Brasil pensa no setor apenas como fonte de dinheiro, uma forma de enriquecer, ou de sobreviver e se rentabilizar. Existe uma “briga” entre empresário e o funcionário.
Essa briga é constante, eles não entenderam que fazem a mesma “função”, que os dois precisam ‘remar na mesma maré’. Às vezes o empregador quer puramente explorar o seu funcionário e não investir em uma capacitação.
O empreender precisa entender cada vez mais que ele faz parte daquele processo. Não faz muito sentido uma pessoa preferir pagar um forno de R$ 60 mil e pagar um salário de R$ 3 mil. O contrário também precisa acontecer: aquele funcionário que está ali só para sobreviver que não quer evoluir.
Está pensando só naquele primeiro momento para apagar o incêndio dentro de casa, não quer fazer parte da evolução do estabelecimento. Temos constantemente esse conflito de interesses no setor. De maneira geral essas rusgas acabam atrapalhando a evolução dos negócios.
Nós temos esse conflito e como fazemos para melhorar? Você acaba vendo que os melhores restaurantes são aqueles que possuem filosofias próprias, porque ali o dono sabe qual a potência do seu funcionário e o valoriza, o capacita.
O funcionário precisa de acesso ao conhecimento. A vida não é só ter em sua cozinha um equipamento que custa 20, 30, 40 mil reais e seu funcionário que ganha um salário mínimo não saber mexer.
Também existe o lado contrário: o empregado que só quer ficar ali na louça e “fazer o dele”, ir para casa, ganhar o salário no final do mês e fim. Precisamos chegar em um equilíbrio. Quem vê isso já larga na frente. É importante entendermos tanto um lado quanto o outro, pois ele é mutuo para se agregar em valor.
O setor de bares e restaurantes tem um peso imenso para economia brasileira. Daí a importância da inclusão social, em diminuir também esse abismo da desigualdade social com vista numa melhor qualidade de vida. Como que podemos trabalhar mais nesta questão da união, deixar esse cenário mais maduro?
É tudo entendimento. É colocar na mesa em panos limpos ali e explicar: o negócio depende de todo mundo para funcionar. O empresário gera a renda e emprego e os empregados fazem a roda girar. Ou seja, um precisa do outro.
Vejo muito empreendedor falando: “estou dando emprego e o cara não quer”. Não! Você não está dando emprego, você gera emprego porque precisa disso para sobreviver, é um precisa do outro, é a mesma coisa do outro lado. Então é uma coisa mais de respeito, de entendimento de nenhum querer sabotar o outro.
Você quer ficar com um funcionário que não quer evoluir? Você vai reclamar dele na frente? Não vai ter jeito de mandar embora, é caro. Vai contratar outro no mercado e começar o mesmo ciclo infinito? Tem que haver esse entendimento.
Olhe os preços das faculdades de gastronomia, são altíssimos! A pessoa faz um investimento da vida e talvez não vai querer ganhar R$ 1.200 pra começar debaixo na cozinha.
Ela vai abrir o próprio negócio com que dinheiro? Vai ser sócia de outro estabelecimento, mas tem espaço para todo mundo? Não tem! E é isso que acontece.
Precisamos aumentar a sustentabilidade da gastronomia. A conta não está fechando.
Você acha que a pandemia muda um pouco esse cenário?
Sim, tanto para o lado positivo quanto para o negativo. Para o lado positivo a pandemia mostrou que com pouco é possível fazer muito. O brasileiro sempre trabalhou na dificuldade. Me dizer ai qual estabelecimento do setor tinha capital de giro para ficar fechado dois anos, três anos. Ninguém!.
Hoje, para abrir um negócio, a primeira coisa a se pensar é no percalço de reservar um dinheiro. Aquela estruturação financeira na faculdade, na aula dos cursinhos, fica só na teoria. A crise mostra que as pessoas são capazes de fazerem serviços inteligentes e híbridos, por exemplo.
Antes da pandemia alguns estabelecimentos só trabalhavam presencialmente e outros no delivery, hoje percebemos negócios nascendo com as duas funções, a cozinha equipada para ambas, já no esquema se der ruim em um, o outro já está preparado.
Eu vejo muito essa lição de conduta e de moral que a pandemia acabou trazendo de uma forma muito dura para todo setor.
E a questão negativa, tivemos que perder muitas pessoas, fechar muitos lugares para nos entendermos que precisamos um dos outros, agora é possível ver empresas renomadas fazendo negócios com empresas pequenas, ou ao contrário, ninguém é chefe de ninguém, cada um tem uma parcela dentro da contribuição e quando todo mundo entende isso a coisa fica mais fácil.
Vindo de onde você veio e chegar aonde você chegou, percorrendo o caminho que você está percorrendo, quais são os principais desafios para quem é preto, pobre, da periferia, para entrar no mercado de trabalho para ter uma inclusão social mais favorável?
Você tem que correr mais. Às vezes acham que é “mimimi”, mas se eu falar assim: pô, nordestino, preto, pobre e favelado no Brasil? É um corpo que está fadado a não dar certo.
Sobre ascensão que eu tive na vida, eu não escolhi estar aqui, as coisas foram acontecendo e não planejei isso, até porque não tinha nem esse privilégio de planejar, as poucas oportunidades que foram aparecendo fui agarrando e desenvolvendo. Me encontrei na gastronomia.
Não foi uma escolha, foi sim uma oportunidade. E isso é também por conta dos projetos sociais que participei. Quando se vive dentro de uma sociedade, dentro de uma bolha, acaba tirando aproveito de muitas coisas dentro daquele meio, e os projetos sociais que participei na minha infância me tiraram de dentro da minha comunidade. Fui para outras esferas.
Foi assim que comecei a entender que tinha outras oportunidades além da comunidade, e aí me libertei. Como naquela frase do Nelson Mandela: “ A educação é a maior arma para te libertar de qualquer amarra”. É por isso que falo da questão da cor, de onde você veio, da onde você mora.
Hoje, qual chefe preto, periférico, nordestino, favelado que você conhece na gastronomia que tem uma grande relevância? Eu posso te falar alguns porque estou no meio, mas a grande massa não conhece.
Por isso, precisamos ser duas vezes mais, as pessoas são obrigadas a me colocar em pauta, em programa de televisão, com isso, consigo tirar proveito e mostrando para os meus que é possível chegar, mais que será cinco vezes mais difícil.
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Você sabia? A revista Bares & Restaurantes acaba de lançar o podcast O café e a conta, programa semanal de entrevistas com convidados da gastronomia e empreendedorismo. A cada terça-feira uma nova edição com quem entende tudo do setor. Ouça agora no site da Bares & Restaurantes ou no Spotify. Nesse primeiro episódio, o chef João Diamante!