No último domingo (5), o Brasil perdeu um dos seus maiores pensadores na área de urbanismo. Entre outros projetos, Carlos Eduardo Ceneviva foi responsável pela implantação do sistema de transportes de Curitiba, hoje copiado por cidades de todo o mundo. Em 2014, a revista Bares & Restaurantes publicou uma de suas poucas entrevistas, que reproduzimos abaixo
Por Valerio Fabris
A implantação de vias exclusivas para o tráfego de ônibus, que se realiza em várias capitais, é como se fosse o início de um processo de alfabetização. Até a pessoa se tornar plenamente alfabetizada, escrevendo e lendo fluentemente, terá de passar por várias etapas de aprendizado. Por analogia, pode-se dizer que, em termos de transporte público, o BRT é a fase primária. O completo domínio da leitura, da escrita, dos números e das operações matemáticas corresponderia, no transporte público de uma cidade, ao estágio da rede integrada.
É o que explica o arquiteto Carlos Ceneviva, uma das referências mundiais em sistema viário e em rede de transporte público. Ele esteve sempre presente, com maior ou menor intensidade, durante todo o curso de implantação do sistema integrado de Curitiba, iniciado há quatro décadas. Atuou, direta ou indiretamente, nos mandatos dos seguintes prefeitos: Lerner (1971/74 e 1979/83 e 1989/92), Saul Raiz (1974/79) e Rafael Greca (1993/96).
Foi durante as gestões do prefeito Jaime Lerner, no entanto, que Ceneviva mostrou uma atuação mais autônoma, arrojada e inovadora, promovendo o espraiamento da rede de transportes. Ele se tornou assim uma figura chave da equipe de Lerner, um personagem decisivo para que, junto com o prefeito e amigo, alçasse Curitiba à condição de modelo internacional em transporte coletivo. Um terceiro astro da equipe, o arquiteto Rafael Dely, falecido há sete anos, foi o responsável pelo ovo de Colombo do sistema viário, encontrando um meio de conciliar o transporte individual, em vias rápidas, com as pistas exclusivas para os ônibus expressos.
A afinidade de ideias entre Rafael, Ceneviva e Lerner teve origem na mesma turma da Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná, que se graduou em 1964, portanto há 50 anos. Ceneviva é um dos principais mentores, na equipe de Lerner, do ônibus articulado e da estação-tubo. Ao fazer uma retrospectiva da trajetória que elevou Curitiba ao status de showroom de soluções urbanas, tendo na mobilidade um dos capítulos que mais despertam interesse dos gestores públicos brasileiros internacionais, Ceneviva diz que o pré-requisito para que qualquer cidade realize um percurso semelhante é que disponha de capital humano adequado.
Ou seja, que administração pública tenha, no seu núcleo de poder, urbanistas afetivamente envolvidos com a cidade, que sejam movidos pelo ideal de melhorá-la e que disponham de autonomia gerencial para realizar as mudanças necessárias. No caso do transporte público, reitera ele, o alvo tem de ser a rede integrada. Isso significa uma teia de linhas, com eixos de vias expressas de ônibus que se liguem às extremidades do perímetro urbano, sendo entrecruzados por linhas circulares.
É como se fosse o desenho de um miolo de tronco de árvore, no qual linhas diametrais atravessam o círculo, até os pontos cardiais, e, sobre esses quatro eixos ou vetores, houvesse anéis em espiral. O sentido dessa trama é que o passageiro possa empreender vários percursos, pagando uma só tarifa. A malha é pontilhada por estações de transferência. Saltando de um ônibus, dentro da estação, o passageiro pode ingressar em outro, sem desembolsar um tostão a mais por isso. Ainda que uma rede integrada de transportes públicos seja um objetivo que mereça a prioridade máxima, na agenda dos políticos e gestores urbanos, ela não é, por si só, suficiente para tornar uma cidade urbanisticamente bem resolvida.
Há, além dos transportes públicos, outras questões em jogo: o uso de solo, a mescla das funções de moradia, trabalho e recreação, a preservação do patrimônio cultural e ambiental, a reciclagem do lixo. Por isso, ao lado de Lerner, Rafael Dely e Ceneviva, a vanguarda da pacífica revolução urbana de Curitiba contou com o engenheiro Nicolau Klüppel, que acabou concentrando suas atuações nas questões ambientais, especialmente nas praças, na separação e reciclagem do lixo, nos bosques e parques.
Muitos desses parques, aliás, têm lagos formados com o represamento de córregos, riachos, ribeirões ou rios, um meio de se regular a vazão, evitando-se enchentes na cidade. Klüppel comandou a implantação de grandes parques na capital paranaense, além de mais de 15 praças. O resultado desse trabalho de três décadas é que a capital paranaense tem, hoje, um índice de 64,5 metros quadrados de área verde por habitante.
O índice paulistano é de 2,6 m²/hab. O mínimo recomendável pela Organização das Nações Unidas (ONU), é de 12 m²/hab. Carlos Ceneviva concedeu à Bares e Restaurante a entrevista que se segue. Nela, relata quais são as pré-condições para que uma cidade consiga atingir o ponto mais alto da melhoria dos serviços de ônibus, que é a rede integrada de transporte público.
B&R - Qual foi o modelo que Curitiba lançou mão para montar a sua rede integrada de transportes? Anotei aqui alguns dados. São 23 estações de integração, 355 linhas de ônibus, uma frota de quase 2 mil veículos, transportando, diariamente, em torno de 2 milhões de passageiros. O metrô de Nova York, que tem 468 estações e 24 linhas, transporta perto de 5 milhões de passageiros.
Carlos Ceneviva - O que fizemos, em Curitiba, ao longo de vinte anos, foi inovar e montar um sistema eficiente, uma rede integrada de transporte público. Isso significa que o usuário pode utilizar várias linhas de ônibus pagando uma só tarifa. Quando ele chega nas estações de transferência, que são terminas fechados, pode sair de um ônibus e entrar no outro, sem novo pagamento. O passageiro compõe seu próprio trajeto. E se desloca com rapidez, sem desperdício de tempo, pelas canaletas exclusivas ou pelas linhas diretas.
A gente foi aprendendo, sem teoria nenhuma. O que nos movia era a vontade de tornar a cidade melhor, facilitar o dia a dia das pessoas. Esse é, até hoje, o nosso objetivo. Veja bem. Teoriza-se muito. Há teorias e teorias e teorias, mas a cidade não é essa complicação toda de que tanto falam. Não nos guiamos por escola nenhuma, em particular. Saímos da faculdade de arquitetura compartilhando o sentimento de que a cidade deveria ter uma escala humana. Que se preservassem a memória e as áreas verdes. Que se priorizasse a circulação dos pedestres e o transporte coletivo.
Estou nisso desde a primeira gestão do Jaime (Lerner), desde 1971. Anteriormente, em 1965, o Jaime havia participado da criação do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), que fez o plano diretor da cidade. Chamou para o IPPUC os arquitetos conhecidos dele, todos recém-formados, assim como ele próprio, sem experiência, sem muita teoria. Uma equipe realmente nova. Acho que isso foi um fator muito importante para mostrar como, depois, tudo aconteceu. Tudo era feito em equipe, tudo junto.
B&R – E esse time foi o núcleo da primeira gestão dele, como prefeito, entre 1971 e 1974. Depois o Lerner teve outros dois mandatos de prefeito, em tempos diferentes. Como surgiam as ideias dentro desse grupo?
Carlos Ceneviva - É até difícil saber, hoje, quem foi o autor disso ou daquilo, porque era uma equipe muito arejada e muito coesa. Com o tempo, cada um foi se fixando mais em um ponto. Comecei me envolvendo muito com zoneamento, organização do uso do solo, problemas de circulação, desde o pedestre até o transporte, que é o que hoje chamamos de mobilidade. Ao longo do tempo, fui me concentrando mais em circulação.
B&R - Vocês, então, não se inspiraram em qualquer experiência de fora, como a da Dinamarca, por exemplo.
Carlos Ceneviva - Absolutamente. Já tínhamos estudado muito a cidade, no IPPUC. Então, conhecíamos Curitiba como a palma de nossas mãos. E queríamos melhorá-la, com todo o instrumental básico que recebemos na Escola de Arquitetura. A nossa missão permanente, na prefeitura, era, a cada instante, buscar soluções para os problemas que iam aparecendo. Em 1974, começamos com o ônibus expresso, que deflagrou uma sucessão de inovações. Depois de uma invençãozinha aqui, uma melhoria ali. Em um processo de mais de vinte anos, acabou se formando a rede integrada de transporte de Curitiba. Hoje, há 186 cidades no mundo que adotaram soluções inspiradas no modelo de Curitiba. Uma cidade é algo que nunca está pronto, nunca estará. Vai sempre se modificando. A cada problema que surgia, criávamos uma solução. Tudo se criou aqui. A canaleta (via exclusiva), depois a integração, os terminais fechados, a ideia de não se comprar um novo bilhete para um novo embarque, sem passar por outra catraca, a bilhetagem automática, as plataformas de embarque no mesmo nível do ônibus. E, paralelamente, o urbanismo, como um conjunto. Os calçadões de pedestres, os parques, as redes de ensino e saúde, a separação e reciclagem do lixo. As pessoas passaram a ver as mudanças acontecendo, de forma rápida, sem demora, porque eram soluções simples, que funcionavam. Alterou-se a relação dos habitantes com a cidade, fazendo com que os moradores se orgulhassem dessas melhorias e da repercussão das mudanças na vida delas.
B&R - De qualquer maneira, vocês buscavam a rede, o entrelaçado, a dinâmica da trama urbana.
Carlos Ceneviva - O que queríamos era diminuir o maior de todos os desperdícios, que é o do tempo. E fazer um transporte público mais rápido e seguro, ao menor custo possível, é claro. Em 1974, criamos o primeiro eixo de transporte público, o norte-sul. Um dos amigos da equipe, Rafael Dely (falecido em 5 de janeiro de 2007, aos 67 anos de idade) sugeriu o sistema trinário de vias. Ou seja, uma via central, destinada aos ônibus expressos, nos dois sentidos, que se constituiu no eixo de transporte público. E, nas duas quadras paralelas, as vias rápidas para automóveis, uma em direção ao centro e outra em direção ao bairro. Aos eixos das vias exclusivas para ônibus convergiam as linhas alimentadoras, os ônibus provenientes de vários bairros da cidade. Em 1978, seguindo a concepção do sistema trinário de vias, criou-se o eixo Boqueirão (sudeste). Em 1979, apresentamos a primeira linha de ônibus interbairros, fortalecendo a alimentação de passageiros até os dois eixos. E, logo a seguir, mais linhas interbairros, cobrindo toda cidade, que hoje são cinco, cruzando com os eixos existentes
Em 1991, algo muito importante, que foi a estação-tubo. E também se criaram as linhas diretas dos ônibus que passaram a ser chamado de Ligeirinhos, que trafegam por fora dos eixos dos ônibus expressos, indo pelas vias rápidas, sem paradas ao longo dos percursos, parando só nos terminais de integração. É como um voo direto, sem escala. Esse é o conceito daquilo que hoje se conhece como BRT. Mas, há boas e más experiências de BRTs.
B&R - Cite uma boa.
Carlos Ceneviva - Uma cidade cujo sistema de BRT tem sido bem avaliado é o da Bogotá, sendo que lá recebeu o nome de Transmilenio. Já havia em Bogotá um bom espaço viário. Estavam disponíveis vias largas, que eram muito mal utilizadas. A mudança foi considerável, principalmente pelo fato de que o que havia antes era tão ruim, que a implantação do Transmilenio acabou sendo uma extraordinária intervenção organizadora. Não havia a mínima regulação do poder público. Bogotá, como eu disse, tinha uma invejável disponibilidade de espaço para a circulação, para a mobilidade, mas muito mal utilizado. A fluidez passou a ser outra coisa. Mas o que aconteceu lá foi só um projeto de transporte público, e não de urbanismo. Isso é outra questão. Não se pode pensar apenas no transporte público, isoladamente.
Tem de se cuidar de todo o organismo urbano, conciliando-se áreas de maior densidade, junto aos eixos de transporte, com outras de menor densidade, preservando-se a memória arquitetônica e, também, as áreas verdes remanescentes. É preciso que haja mistura de funções. Isso é planejamento urbano. O planejamento geral da cidade vai acabar se acoplando a essa rede de BRTs de Bogotá. Com o tempo, isso vai acabar acontecendo. Mas lá não foi bolado assim.
B&R - Cite, então, um mau exemplo de BRT.
Carlos Ceneviva - São Paulo. É um exemplo da má aplicação da ideia das pistas exclusivas, das canaletas, que o paulistano chama de corredor. A questão é essa: os BRTs são pistas exclusivas, e pronto. Há casos em que várias linhas de ônibus entram em uma pista exclusiva. Ônibus de diversas origens e destinos, formando um entra e sai. O passageiro que está no ponto fica olhando, vigiando, querendo saber se o ônibus que vem é o dele. E aí vê que não é. Tem que esperar o próximo. Mas também não é o próximo. Todos os ônibus param naquele ponto. Formam-se comboios de ônibus. Às vezes, o ônibus do passageiro é o quinto. São Paulo é assim. Um péssimo exemplo do uso do corredor do ônibus.
B&R - Muitos dizem que Curitiba perdeu o ritmo das mudanças.
Carlos Ceneviva - É. É uma pena que, depois de um certo tempo, isso se perdeu um pouco, infelizmente. Agora, é preciso retomar a dinâmica das transformações. Há algo que se generalizou no país inteiro, que é a má política tomando o lugar das propostas, das soluções. Tudo virou uma luta política pelo poder. Tudo o que fizemos veio do nosso interesse em melhorar a cidade. Quando o que move uma administração é o jogo político, aí fica difícil, o transporte público e a mobilidade saem perdendo
Veja que a estação-tubo foi uma ideia que o Jaime e equipe haviam apresentado, em 1984, ao então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, quando estávamos fora da prefeitura de Curitiba. A proposta ficou emperrada no Rio, porque os vários níveis de poder não se entendiam. E veja que, assim, logo que voltamos à prefeitura de Curitiba, implantamos a estação-tubo em 1991, dando ao sistema de ônibus um novo conceito, agora chamado de BRT. E hoje, trinta anos depois, o Rio está implantando o BRT. Foi preciso que o nosso projeto fosse avalizado pelo mundo afora para que o Rio resolvesse fazê-lo.
B&R – Já desde 2005, portanto há nove anos, vem se falando em uma linha de metrô para Curitiba. O grupo de arquitetos que implantou o modelo de Curitiba nunca considerou a possibilidade de investir em metrôs. Por quê?
Carlos Ceneviva – Jamais fomos contra os metrôs. O que sempre consideramos é que é uma alternativa excessivamente cara e de implantação muito demorada. De nada fazer uma linha de metrô, isolada. Qualquer que seja o sistema adotado para o transporte coletivo, não se pode nunca deixar de considerar a rede integrada, sem a qual as questões da mobilidade permanecerão sem resposta. E, além disso, com o dinheiro que se gastará em uma linha de metrô, pode-se dar prosseguimento, em grande escala, ao sistema existente, que não pode deixar de ser continuadamente melhorado.
B&R – Aqui, em Curitiba, a intenção é de se fazer uma linha de metrô no eixo sul, com um investimento da ordem R$ 4 bilhões. Em 2007, a projeção era de um investimento de R$ 1,5 bilhão, para uma linha de 14 quilômetros.
Carlos Ceneviva – Por que substituir um eixo de transporte coletivo, que está funcionando, que não precisa, de forma alguma, ser substituído, com um investimento desse montante? Porque substituir, em lugar de acrescentar? O que é preciso é manter e ampliar a qualidade do que já temos. Insiste-se em fazer o metrô no lugar em que já há um eixo, com canaletas de ônibus expressos, funcionando bem há muito tempo, e que pode e deve ser continuadamente melhorado. O metrô é caro e demorado demais. Como as atividades desse eixo vão sobreviver durante as obras? As melhores redes de metrô do mundo são obras de mais de um século, que começaram a ser realizadas quando as cidades não tinham o adensamento e a verticalização que apresentam hoje. E, voltando ao caso de Curitiba, pergunto. Por que concentrar essa quantidade de recursos para substituir metade de uma das nossas linhas expressas, em lugar de buscar a expansão da rede com a criação de novos eixos, melhorando o atendimento da cidade como um todo?
B&R – E por que essa insistência?
De onde vem isso? Pode ser comodismo intelectual. Com certeza, não é coisa de planejador. É algo preguiçoso. O sujeito estica o braço, mecanicamente, e pega uma solução de prateleira. Fala-se no eixo sul porque ali tem grande movimentação, tem demanda, tem renda. Ah, sim! Então, está-se pensando no negócio. Se o sistema de transporte público ficou sem os necessários acréscimos de melhorias, chego até a supor que isso tenha sido de caso pensado. Deixa degringolar um pouco, porque daí a gente justifica o metrô.
B&R – As redes dos metrôs de Londres, Paris ou de Nova York, como você disse, são do final do século XIX e do iniciozinho do século XX. Dessas três metrópoles globais, o metro mais novo é o de Nova York, que se iniciou em 1904.
Carlos Ceneviva – O que as cidades brasileiras precisam é de sistemas integrados de transporte, e isso tem que ser feito com a rede de ônibus, até mesmo de ônibus elétricos. Temos de colocar dinheiro para melhorar o que existe, e não destruir o que existe para fazer outra coisa. São Paulo tem quatro linhas de metrô, que respondem por 20% a 25% do transporte. Tudo mais é feito pelos ônibus. Tem de, pelo menos, se fazer um BRT que seja racional, que funcione. O Rio tem duas linhas de metrô. Novamente, responde por uns 20% da movimentação total de passageiros da cidade. Curitiba, que criou um sistema difundido no mundo inteiro, não vai, agora, incorrer nesse erro histórico, comprometendo uma experiência muito bem-sucedida, e que precisa de permanente atualização. Aqui surgiram soluções de enorme repercussão internacional, como as canaletas exclusivas, os ônibus biarticulados, a estação-tubo, as linhas diretas.
B&R – E é possível aprimorar ainda mais os ônibus, os veículos?
Carlos Ceneviva - Podemos eletrificá-lo, dando uma resposta de hoje à questão ambiental, à poluição do ar e ao barulho, com significativo ganho de custo. Apresentamos à Prefeitura nossa proposta de ampliação da rede, com um “metrô” sobre pneus, com ônibus elétricos de grande capacidade, biarticulados, que é um ônibus modular, em que se acopla um carro, mais outro carro, e outro, acompanhando o crescimento da demanda ao longo do tempo. São carros elétricos, com supercapacitores, sem catenária (sistema de eletrificação, com fios aéreos, presos em postes laterais, utilizado em trólebus e bondes). O futuro está aí. O supercapacitor armazena energia, sem os inconvenientes dos custos das baterias, nem a demora da recarga. Esse sistema, que estamos denominando de VLP (veículo leve sobre pneus), pode se encaixar dentro custo 80% inferior ao de uma linha do metrô.
B&R – E, convencionalmente, o que pode ser feito para a correção de eventuais desacertos do sistema integrado de transporte de Curitiba? Ou seja, das linhas de ônibus.
Carlos Ceneviva – Por falta de uma ação mais cuidadosa e competente, nos últimos anos, hoje há, em Curitiba, considerável desperdício nas canaletas (pistas exclusivas) dos ônibus expressos. Os ônibus articulados estão parando quase a cada esquina. É um contrassenso. O ônibus precisa ter prioridade de passagem nos cruzamentos, como sempre era e deixou de ser. São providências dessa ordem que vão melhorando a qualidade de uma rede de transporte, seja pública ou privada, seja uma rede de ônibus ou de metrô, não importa. Se você tiver que parar em uma estação depois da outra, ocorre um enorme desperdício de tempo. Tanto que Paris fez o RER (Réseau Express Régional, isto é, Rede Expressa Regional), que só para em algumas estações. É um Ligeirinho. A gente aprendeu muito com Paris. Nova York também usa essas linhas diretas. Você está em uma estação, tem quatro linhas, duas para lá, duas para cá. E você ali esperando quando, de repente, passa um trem em desembalada carreira. São as linhas diretas deles. O nosso articulado não pode parar a cada cruzamento. Perde-se a sua vantagem. É o poder público deixando de cumprir a sua parte. E, muito frequentemente, colocando a culpa nos empresários, como os responsáveis pela deterioração do sistema e pelo encarecimento das tarifas.
B&R – Mas não há pelo menos uma meia verdade nisso?
Carlos Ceneviva – Não creio. Quem gerencia o sistema e fixa as tarifas é o poder público, no caso a prefeitura. A prefeitura é que deve planejar e controlar a operação do sistema. Isso é um avanço considerável. E não podemos regredir.
B&R – A integração de futuros sistemas integrados de transporte público, nas capitais brasileiras, poderia se estender aos municípios vizinhos? Geralmente, quem mora mais longe paga mais caro e tem um serviço pior.
Carlos Ceneviva – Em 1996, quando o Jaime era governador do Paraná, investimos na extensão da rede integrada para os principais municípios da região metropolitana de Curitiba. Estendemos linhas do Ligeirinho (BRT, com poucas paradas) aos municípios vizinhos, como Araucária, São José dos Pinhais, Piraquara, Almirante Tamandaré, Colombo e Campo Largo (foi um total de 14 municípios).
B&R – A melhoria continuada do sistema, mesmo que implique relativa diminuição de custos, acaba absorvendo investimentos crescentes. Como resolver isso?
Carlos Ceneviva – Em uma determinada época, o Banco Interamericano de Desenvolvimento me solicitou um documento, para que eu o apresentasse em uma reunião de Barcelona. O que eu coloquei no centro das minhas considerações, com certo atrevimento, porque a economia não é, de maneira alguma, a minha área, o que eu afirmei é que maus sistemas de transporte público urbano afetam negativamente o PIB (Produto Interno Bruto) de um país, porque diminui a produtividade geral. Eis a razão pela qual é economicamente justificável que se subsidie um sistema de transporte público que tenha qualidade. Não há metrô no mundo sem subsídio. A França tem impostos específicos, que servem como fontes de recursos para os subsídios. Aqui no Brasil tem a CIDE/Combustível, que deveria ser aplicada no transporte público. Mas não é. Reduzem IPI dos automóveis, entupindo as ruas do país inteiro. Então, esta é mais uma razão para se dar prioridade aos ônibus, por meio da implantação vias exclusivas e de redes integradas. Os automóveis têm de deixar de ser usados em itinerários de rotina. É inevitável que isso aconteça, queiramos ou não. É uma imposição da nova realidade, aqui no Brasil e no mundo todo.
*Matéria originalmente publicada na edição 95 da revista Bares & Restaurantes