Em entrevista ao podcast O Café e a Conta, os sócios-empreendedores contam um pouco mais sobre os desafios e processos para manter o empreendimento longevo
Uma sociedade empresarial é um modelo de negócio onde dois ou mais indivíduos se unem formalmente para operar uma empresa em conjunto. Cada sócio contribui com recursos financeiros, habilidades ou ambos, conforme acordado no contrato social.
No Brasil, esse tipo de negócio é utilizado por mais de oitenta mil empreendimentos. Este modelo oferece vantagens de colaboração e divisão de riscos, mas requer um contrato claro e o cumprimento de obrigações legais e fiscais.
Em entrevista para o podcast O Café e a Conta, os sócios-proprietários do famoso e tradicional Pirata Bar em Fortaleza, no Ceará, Taiene Righetto e Rodolphe Trindade conversam sobre sua jornada de 10 anos, quando decidiram se juntar a esse modelo de negócio.
Bares & Restaurantes: Você poderia contar um pouquinho mais sobre como surgiu a sociedade de vocês?
Rodolphe Trindade: O empreendimento começou com meu pai em 1986, eu tinha 18 anos quando o Pirata Bar abriu. Desde então, fomos expandindo o negócio, comprando os terrenos no entorno para aumentar o tamanho físico do bar.
No fim de 2016, eu e meu filho, que se tornou sócio também do bar, após a morte do meu pai, pensamos em abrir outro tipo de empreendimento, mas com a chegada da pandemia decidimos diversificar abrindo um café na loja do Pirata, que estava inativa.
Com minha esposa, que já tinha um café, decidimos aproveitar o espaço e criar algo menor para atender durante a pandemia e promover um retorno gradual.
Como Taiene e eu já trabalhamos juntos na Abrasel e compartilhavamos a vontade de criar algo, foi a chance de fazer um negócio dentro do negócio. Nossa visão é muito parecida, o que facilita a parceria e a divisão das responsabilidades.
Essa colaboração não só oxigenou nosso negócio, mas também trouxe novas ideias e oportunidades, fundamentais para o futuro do complexo Pirata.
Rodolphe comentou sobre a questão de como é positivo oxigenar os negócios, com uma parceria nessa gestão, como você, Taiene vê as principais vantagens em gerenciar um bom bar ou restaurante em sociedade em comparação com uma gestão individual?
Taiene Righetto: Bom, claro que tudo tem seus prós e contras. É muito tentador para qualquer empresário ser sozinho no seu negócio, mandar e desmandar. Mas isso também é muito perigoso, pois você vira literalmente escravo do seu negócio. Quando dá certo, tudo é alegria, mas quando dá errado, com quem você vai dividir esse peso? Acho que duas cabeças pensando são melhores. Trabalhar em sociedade é como um casamento, com seus desafios, mas se vocês se gostam e arrumam um caminho, o negócio segue em frente.
Com Rodolphe, a gente já trabalhava juntos na Abrasel e nos damos muito bem. Ter perfis diferentes é muito importante numa sociedade porque complementamos nossas ideias. Rodolphe é o cara de ideias fora da caixa, enquanto eu tenho uma característica forte em números. Isso nos permite abraçar mais áreas no negócio. Além disso, uma parceria permite que, quando um precisa se ausentar, o outro está lá para tomar conta.
Trabalhamos juntos e essa cumplicidade é essencial. Ter cabeças diferentes que convergem é o sucesso de qualquer sociedade.
Agora pensando em gestão, que englobam questões que são necessárias que um dos empreendedores tome frente na tomada de decisões, como vocês dividem essas responsabilidades para que funcione de maneira positiva?
Acho que o principal é permitir que cada um possa seguir suas vontades e habilidades. Temos dois negócios diferentes para que cada um possa dirigir um negócio específico e não repetir as mesmas ações nos dois. Não se trata de franquias, mas sim de fazer coisas diferentes, respeitando nossas diferenças.
É importante saber quando se retirar de um negócio e quando se impor no outro. O Pirata, por exemplo, é muito impositivo por sua história de 38 anos. Como meu pai faleceu e alguns colaboradores antigos saíram, a memória do negócio pode se perder. Por isso, é fundamental ter alguém à frente do negócio que compreenda essa necessidade e realização.
Evitar conflitos de ego é essencial. Se houver briga de ego, o negócio fica em segundo plano. A sociedade deve ser um equilíbrio, onde cada um reconhece a liderança do outro em determinados aspectos. Isso evita disputas e destruição do negócio.
Rodolphe e eu temos uma relação de amizade que facilita a gestão conjunta. A sociedade precisa de cumplicidade e entendimento mútuo, sem disputas de liderança. A sucessão também é uma forma de sociedade complicada, pois envolve herança e continuidade do negócio familiar.
Desenvolvemos outros negócios para evitar sobrecarga em um único empreendimento. A sociedade deve ser versátil para sobreviver e crescer. Exemplo disso é o Afrânio do Coco Bambu, que usa sócios minoritários e evita franquias, mantendo a individualidade de cada empreendimento.
É importante ter complementação de habilidades e interesses. Cada um deve fazer o que gosta, sem obrigação de seguir um único caminho. A sucessão familiar no setor de bares e restaurantes é comum e envolve comprometimento e aprendizado, muitas vezes passando de pai para filho ou até para agregados familiares.
Sabemos que lidar com a família é também lidar com sentimentos e proximidades. Normalmente, quando você tem mais intimidade com a pessoa, é mais fácil você cometer deslizes. Então, queria entender melhor, com você Rodolphe, se você já experienciou algo nesse sentido e como o superou?
Em 28 anos de trajetória, passamos por muitos desafios. Cada problema, seja regional, nacional ou internacional, nos ensina algo novo. Eu tive a experiência de ser sócio do meu pai. Hoje, sou o "pirata mor", e meu filho também está envolvido no negócio, o que nos coloca em diferentes papeis ao longo do tempo.
Aprendi que não devemos repetir erros e, apesar das diferenças, é essencial respeitar as individualidades. Navegar em torno dessas diferenças sem machucar o outro é uma tarefa delicada. Devemos permitir que cada um se sinta bem no que faz, mesmo que às vezes precisem fazer algo que não gostam, pois a vida exige isso.
A base de qualquer sociedade, familiar ou não, é a confiança. Sem confiança, a sociedade está fadada ao fracasso. Respeitar as ideias dos outros e aceitar que nem sempre nossas opiniões prevalecerão é crucial. A maturidade que ganhamos com essas experiências nos ajuda a lidar melhor com diferentes situações, tanto profissionais quanto pessoais.
As discussões podem ser intensas, mas é importante deixar os conflitos na sala de reunião e não levar nada para o lado pessoal. Saímos, tomamos uma cerveja e seguimos em frente. Esse exercício de não levar as coisas para o lado pessoal é essencial para manter uma sociedade saudável e produtiva.
A sociedade familiar tem suas particularidades, mas também traz um crescimento pessoal significativo. A capacidade de lidar com conflitos de forma saudável é algo que levamos para a vida, tornando-nos pessoas melhores e mais compreensivas.
Queria entender como vocês se organizam no repasse de orientações para os colaboradores. Os colaboradores veem realmente cada um num ponto diferente. Como isso funciona?
Entrei nesse negócio já com uma equipe estabelecida, muitos com 30 anos de casa. O Rodolphe tem uma equipe experiente que conhece bem a dinâmica da empresa. Quando entra um novo membro, é natural que surjam algumas tensões.
Uma coisa que combinamos é não tomar decisões na frente dos colaboradores sem antes discutir entre nós. Isso vale também para a família: assim como os pais devem estar alinhados na criação dos filhos, os sócios precisam estar alinhados na gestão dos colaboradores.
Quando um colaborador apresenta uma ideia, nunca tomamos uma decisão imediata. Primeiro, discutimos entre nós para garantir que estamos alinhados. Isso evita que o colaborador tente manipular a situação, buscando apoio em diferentes líderes para obter o que deseja. Manter essa coesão é crucial para a eficiência e harmonia da empresa.
Acredito que o mais importante é nunca tomar uma decisão monocrática. Discutimos e decidimos juntos, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e que a decisão final seja um consenso. O colaborador precisa entender que, apesar de haver várias cabeças, a decisão é única e coesa.
Estamos trabalhando em um novo modelo de negócio onde cada líder tem sua área de responsabilidade. Isso ajuda a evitar conflitos e garante que cada um tenha autonomia em sua área. É essencial ter uma liderança clara e bem definida. Quando todos sabem quem é responsável por cada área, evitamos a sobreposição de funções e os conflitos internos.
Por exemplo, se um colaborador vier falar comigo sobre algo que não é da minha área, eu os direciono para o líder responsável. Isso mantém a estrutura organizada e evita que todos tentem resolver tudo ao mesmo tempo. Definir claramente as áreas de liderança e responsabilidade é fundamental para o sucesso de qualquer negócio.
A chave é ter uma estrutura bem definida, onde cada líder tem sua área de responsabilidade e as decisões são tomadas em conjunto. Isso garante que todos estejam alinhados e que a empresa funcione de maneira eficiente e harmoniosa.
Quais são os pontos cruciais para uma sociedade em bar ou restaurante dar certo? Gostaria de entender um pouco de cada um de vocês, qual é o ponto crucial que vocês definem como fundamental para esse tipo de negócio dar certo.
Bom, em primeiro lugar, é essencial definir o tipo de negócio. Cada tipo de empreendimento tem suas particularidades. Um bar, um restaurante, um sushi bar ou uma casa de espetáculos, como a nossa, têm necessidades e dinâmicas diferentes. Por exemplo, em uma sociedade onde um sócio é um excelente sushiman e o outro é um ótimo administrador, as chances de sucesso são maiores porque cada um complementa as habilidades do outro.
Além disso, é crucial que cada sócio tenha uma especialização e área de interesse bem definidas. Assim, cada um pode focar no que faz melhor, seja na parte financeira, no atendimento ao cliente, ou na administração geral. A psicologia, sociologia, psiquiatria e psicanálise também são importantes, pois gerenciar um bar ou restaurante envolve lidar com diferentes personalidades e situações diárias.
Outro ponto crucial é o respeito aos processos definidos. É fundamental que, antes de começar a sociedade, os processos e responsabilidades estejam claros e que todos os sócios os respeitem. A falta de clareza e respeito aos processos pode levar a conflitos e problemas operacionais.
Como presidente da Abrasel, recebo muitas ligações de pessoas com dificuldades em seus negócios, e a maioria desses problemas são de ordem societária. Não se trata apenas de desentendimentos pessoais, mas de falta de processos bem definidos. Em uma sociedade, não importa quem investiu mais ou menos; o que importa é a capacidade de cada um em contribuir para o sucesso do negócio.
É essencial ter compatibilidade de ideias e personalidades entre os sócios. Se os sócios não têm afinidade e não confiam um no outro, a sociedade dificilmente dará certo. É importante que todos estejam alinhados e que respeitem as decisões coletivas. Em resumo, os três passos para o sucesso são: saber o que se quer fazer em conjunto, ter afinidade e respeito mútuo, e definir e respeitar processos claros.
Confira abaixo a entrevista completa com Taiene Righetto e Rodolphe Trindade para o podcast O Café e a Conta!