Como a Stone tornou-se a maior credenciadora independente do país, em um setor dominado por bancos, com barreiras aos novos entrantes
Por Valerio Fabris
O cofundador da Stone, André Street, abriu o ciclo de palestras do 31º Congresso Abrasel, em Brasília, no dia 14 de agosto. O fio condutor da sua exposição foram duas frases por ele citadas, sendo a primeira a que pessoalmente ouviu em Israel do cofundador do Waze, Uri Levine: “Apaixone-se pelo problema, não pela solução; e o resto se seguirá”. A segunda frase não tem autoria definida, sendo de domínio público e uso corrente: “É preciso sentir a dor do cliente”.
A sentença da autoria de Levine serve como uma luva para explicar como deve ser a mais autêntica e honesta relação entre governantes e cidadãos e, também, entre as empresas e os seus clientes. Trocando em miúdos, a máxima do cofundador do Waze quer dizer que só se interessam realmente em encontrar alguma eficaz solução para o problema alheio os que ardorosamente se envolvem na busca do entendimento desse mesmo problema.
Ou seja: aquele que de fato se mostra interessado em ajudar o próximo assume o incômodo alheio, vivenciando-a de corpo e alma. O relacionamento verdadeiro implica (como é dito na segunda frase) que “é preciso sentir a dor do cliente”, em um exercício de humildade e de total disponibilidade e atenção, tanto no que se refere à presença física quanto na mais zelosa escuta. O palestrante disse que o mesmo raciocínio, aplicável à relação empresa-cliente, pode ser transportado para a esfera governo-cidadão.
Uma solução tirada do bolso do colete torna-se frágil e mais onerosa
Isso significa que, se os governantes abraçam o problema do cidadão, dedicando-se a estudá-lo em profundidade, eles são capazes de chegar a uma solução durável e de qualidade. Daí confirma-se também a segunda parte da frase de Levine: ao se apaixonar pelo problema, o resto se seguirá. No raciocínio inverso, os que priorizam a solução, encontrando-a rapidamente, almejam apenas que a fila ande, que a catraca gire, acelerando os ganhos imediatos para si mesmo, sem dispender muito raciocínio, tempo e instrumentais necessários ao minucioso diagnóstico do problema. É como agem os apaixonados pela solução.
Se a população brasileira tem se sentido recorrentemente frustrada, traída em suas expectativas, é porque ao longo da história do país o poder público privilegiou seus próprios interesses, sem se apaixonar pelos problemas gerais. Acumularam-se em larga escala as precariedades no ambiente cotidiano, sintetizadas no tripé educação, saúde e segurança pública. O ambiente empreendedor foi, por sua vez, duplamente sufocado pela compulsão governamental de abrir empresas estatais e de favorecer aliados com regras de um jogo de cartas marcadas, sem se conceder espaço à livre concorrência.
André Street lembrou das frequentes falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Brasil se tornou um país de meia dúzia de bancos, empreiteiros, frigoríficos. Cinco bancos controlam 94% do crédito ao setor privado e, paralelamente, se associaram a três credenciadoras de cartões de crédito (donas das maquinhas), dominando 85% desse mercado. Ao voltar-se só para si mesmo, o Estado deixou de cumprir suas obrigações quanto ao bem-estar geral e à qualidade de vida da população, e, também, criou regulações impedidoras da competitividade em setores-chave, com efeitos prejudiciais ao empreendedorismo de larga escala e reflexos negativos à geração de emprego e renda.
A ascensão de uma adquirente transformadora do mercado
Ao inventarem a Stone, em 2012, os sócios André Street e Eduardo Pontes acabaram redesenhando no Brasil o perfil e a personalidade de uma empresa tecnológica de processamento de cartões. Ousaram entrar em mercado altamente concentrado. Três companhias associadas a cinco bancos controlam 85% do segmento nacional de maquininhas (adquirentes). Esses mesmos bancos dominam 94% do crédito ao setor privado brasileiro.
“Desde que a Stone nasceu”, disse André Street, à plateia da palestra inaugural do 31º Congresso Abrasel, “foram deslocados R$ 1 trilhão dos bancos para os empreendedores, só por causa da concorrência”. O público comemorou com longo aplauso. Ele ergueu os braços, agradecendo o entusiasmo dos empresários e executivos de bares e restaurantes. Disse então que aquela audiência do Congresso Abrasel era uma “viva e expressiva” amostra do setor nacional da alimentação fora do lar, que soma um milhão de negócios espalhados pelo país inteiro.
“Vocês sabem o que isso significa, porque enfrentam a concorrência todos os dias. Ninguém melhor do que vocês, que têm um negócio cuja barreira de entrada é baixa, sabe o que é concorrer. É em um ambiente de acentuada concorrência que seus empreendimentos se tornaram relevantes, excelentes para a sociedade brasileira. Tenho uma admiração muito profunda por quem luta, de forma honesta, trabalhando por um Brasil melhor”.
Não é que o cliente tenha sempre razão; “o cliente é a razão”
Sobre as vitórias nas primeiras batalhas da campanha por um mercado competitivo, ressalvou: “Não fomos só nós que começamos a criar a concorrência, embora tenhamos sido precursores em advogá-la. O Banco Central está tentando criar um ambiente de convivência das empresas independentes (entre as quais a Stone é a líder de mercado) e as controladas por bancos, que também são os emissores dos cartões e, deste modo, formam o que carinhosamente chamamos de conglomerados verticalizados”. Nos Estados Unidos, desde 1996, os bancos emissores de cartões não podem ter participação societária nas adquirentes.
Atuando principalmente na base da pirâmide empresarial brasileira, em que estão os pequenos e médios empreendedores, a Stone guiou-se por este aforismo do criador do Waze, Uri Levine: “Apaixonem-se pelo problema e não pela solução, e o resto se seguirá”. Isso significa que os cinco mil funcionários da empresa, sendo 600 engenheiros de tecnologia, empenham-se em “sentir a dor do cliente”, apresentando-lhe as soluções para os seus negócios somente depois de vivenciar as questões e pendências que se apresentam.
Os gestores e funcionários da Stone, conforme explanou Street, não ficam passivamente à espera de os clientes dizerem quais as soluções que imaginam para seus negócios. Ele lembrou o que disse Henry Ford: “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas queiram, elas teriam dito cavalos mais rápidos”. O empresário afirma que, na Stone, em vez de o cliente ter sempre razão, “ele é a razão”. Em outras palavras, o cliente é o significado, o sentido, o propósito de todas as ações das cinco mil pessoas vestidas com a manta verde.
Daí por que, ao estrear na bolsa americana Nasdaq, em 25 de outubro de 2018, quem tocou o sino, marcando o início do pregão da oferta inicial de ações, não foi o presidente ou algum grande acionista, mas Geraldo Mineiro, o primeiro cliente da até então startup, um vendedor de queijos, residente na cidade de Formiga (MG). Grandes investidores logo se tornaram acionistas da Stone: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sucupira, da 3G Capital; a gestora Madrone Capital, dos Walton, a bilionária família herdeira da rede varejista Walmart; a Berk; a Berkshie Hathaway, gestora do bilionário Warren Buffet.
A presença de Geraldo Mineiro no primeiro plano da Oferta Pública Inicial (em inglês, IPO, Initial Public Offering) atesta o princípio que encabeça os valores da Stone: a razão de ser da empresa é o cliente. “Temos 130 sócios que trabalham conosco. Eduardo e eu formamos, ao longo dos oito anos, desde a fundação, 130 líderes que, pelos próprios méritos dos resultados alcançados por eles mesmos, criaram suas riquezas, tornando-se sócios da companhia”.
Todos atendem às chamadas telefônicas para a Stone, até o presidente
As maquininhas Stone espalharam-se por 360 mil estabelecimentos de todo o país. “Augusto Lins (diretor comercial) e eu viajamos incessantemente às pequenas, médias ou grandes cidades do Brasil, conversando com os empreendedores, com seus funcionários, procurando entender a dor do cliente”. O atendimento telefônico na companhia, como relata Street, fica por conta de todo o pessoal da manta verde, inclusive o presidente executivo da Stone, Thiago Piau. “Não temos URA na Stone”, diz ele, referindo-se à atendente eletrônica, por meio da qual o usuário do telefone precisa passar por vários menus até falar com a pessoa responsável pelo assunto que deseja tratar.
Entre os vários exemplos da personalizada atenção aos clientes da Stone, o palestrante citou a conexão de todos os integrantes das áreas de tecnologia, atendimento e distribuição (equipes de logística e vendas próprias). Cita um este exemplo: o funcionário do atendimento, que tenha estado com determinado cliente, prontamente reporta às outras áreas específicas – sejam elas a de tecnologia ou de distribuição – as demandas eventualmente surgidas na visita, e que lhes dizem respeito, em uma operação que, de modo espontâneo e natural, acaba sendo multifuncional. Nesse giro, o mesmo procedimento é adotado pela área de tecnologia, que aciona o pessoal da distribuição ou da tecnologia, quando se percebeu uma demanda potencial, que lhes deve ser informada.
Os empreendedores e gestores dos 360 mil estabelecimentos integrantes do portfólio Stone podem participar dos núcleos de formação que funcionam dentro empresa, como o da escola de atendimento. Aplica-se na companhia uma prática interativa, criada por Jocko Willink (ex-comandante da Marinha dos Estados Unidos, consultor de gestão e autor de livros sobre o tema), em que, ao final de uma jornada de trabalho, os donos e gerentes de restaurantes promovem com os funcionários um descontraído encontro das lições aprendidas naquele dia, como se cada um dos participantes fosse o dono do negócio. São programas desse gênero que a Stone abre à participação da sua clientela.
André Street afirma que a Stone funciona como “uma grande pequena empresa”, desmembrável em pedaços comandados por “líderes maravilhosos”, emissores dos fundamentos aprendidos nas lições da companhia. São ensinamentos que eles aplicam “nas suas pequenas Stones”. Na medida em que assumem inteiramente a “ownership” (propriedade), conquistam o espaço do dono, podendo se tornar sócios, seguindo o que já fizeram 130 dos funcionários da manta verde.
As perspectivas brasileiras na visão liberal de André Street
“Do mesmo modo que a nossa empresa tem como foco o cliente, o Estado tem de servir ao cidadão, atendo-o nas suas fundamentais tarefas clássicas de prover boa educação básica, saúde, cuidando também das relações externas e da defesa nacional”. A afirmação é do cofundador da Stone, André Street, ao argumentar que o governo não conseguiu historicamente cumprir essas funções, desviando-se de sua razão de ser.
Durante muito tempo, prosseguiu ele, governantes abriram centenas de empresas, criaram monopólios e reservas de mercado, protegendo grupos privados com regulações impeditivas à plena concorrência. Ao se desviar de seus propósitos, os agentes públicos acabaram produzindo concentração de renda, desemprego, insegurança, pobreza e baixa qualidade de vida para a população em geral. O empresário contrapôs que tem ultimamente percebido sinais de mudança de mentalidade no serviço público, com o maior ingresso de profissionais capacitados e que conferem ao seu trabalho o significado do bem servir. “Vejo que são pessoas abrindo mão de ganhar dinheiro na iniciativa privada, recebendo menos no governo, fazendo um movimento de vida em benefício de uma missão. Fico realmente orgulhoso delas, sentindo muito respeito por essa entrega de cada um deles à causa que interessa indistintamente a todos os brasileiros, e não a determinados grupos”.
Street deduz que esses profissionais inclusive “abriram mão de receber remunerações maiores na iniciativa privada, na qual poderiam até ganhar fortunas para eles mesmos, mas optaram por trabalhar em favor da modernização do Estado, da melhoria do ambiente para os empreendedores do país inteiro, e, consequentemente, da elevação do nível geral de qualidade de vida”. O dirigente da Stone acha que, assim, os governantes começam a “sentir a dor do cidadão”, que padece de bons serviços públicos, a começar os do “essencial tripé” saúde-educação-segurança.
Mais sensibilidade do governo para o tripé educação-saúde-segurança
“O sujeito tem de sair de casa em segurança. O seu filho tem de ir para a escola. O ensino básico tem de estar bem feito. Ele e sua família têm de ser bem atendidos na saúde. A justiça tem de funcionar, arbitrando e resolvendo os conflitos. É preciso que o país seja bem representado lá fora, estabelecendo-se um alto nível de relacionamento com outras nações, atraindo-se negócios para o Brasil e os brasileiros, garantindo-se a indispensável segurança jurídica aos investidores internacionais. E é necessária uma regulação interna que crie espaço à mais livre concorrência”.
O arejamento do ambiente socioeconômico, com o Estado cumprindo o seu papel e todo o setor privado atuando em um cenário de simplificação e clareza das regras do empreender, a seu ver colocará o Brasil entre as nações mais prósperas do mundo. “O que não pode, como dizia Roberto Campos (economista, diplomata, ex-ministro e político brasileiro, falecido em outubro de 2001, aos 84 anos de idade), é o Estado brincar de empresário e as empresas brincarem de Estado”.
Prosseguiu ele: “Acho inadmissível que haja a pobreza. Eu não me conformo com isso. Não é o Estado babá que libertará as pessoas dessa condição. O mercado é a grande solução para a pobreza. Todos devemos ter a mesma condição de partida, o “v zero’. Ou seja, a velocidade inicial que ocorre por meio do tripé segurança-saúde-educação fundamental. A desigualdade é natural no ser humano, a pobreza não. Todos já nascemos diferentes uns dos outros. Há os que prosperam mais, outros menos. Só é preciso criar o ambiente. Como dizia Antônio Ermírio de Moraes (industrial brasileiro, presidente do Conselho de Administração do Grupo Votorantim, falecido em 2014, aos 86 anos de idade), o homem e a mulher querem conquistar a vida digna pelas próprias pernas, sem depender de ninguém. O paternalismo não resolve. Quando o pai morre, acaba-se a mamata”.
No lado empresarial, ele diz que a regulação estatal inibidora da livre competitividade resulta no desequilíbrio da condição de partida, o ‘v zero’ dos empreendedores de várias áreas da atividade econômica. “É absolutamente indispensável à equidade, à igualdade de direitos, que as condições básicas de partida sejam as mesmas, tanto para os que almejam um emprego quanto para os novos empreendedores. O Estado continua nos negando isso, mas é uma situação que vai mudar. Tornou-se hoje uma clara exigência da maioria dos brasileiros o princípio de que as pessoas possam prosperar pelos seus próprios méritos. O povo está farto de um Estado que serve a si mesmo, e não ao cidadão”.