Com os desafios do setor para contratar, a importância de processos eficientes de captação de talentos e do relacionamento com funcionários se evidencia mais do que nunca
Por Flávia Madureira
A busca por funcionários qualificados segue sendo um dos maiores desafios do setor. Com o reaquecimento do mercado após o período pandêmico, mais oportunidades de trabalho despontaram em bares e restaurantes.
Além da abertura de novos negócios, o crescimento gerado nessa recuperação provocou um aumento na demanda por mão de obra que não veio acompanhado, necessariamente, por um boom de profissionais capacitados.
Em novembro de 2023, 21% dos estabelecimentos do país contrataram funcionários, segundo uma pesquisa realizada pela Abrasel. Esse número ainda foi seguido pela intenção de outros 27% em fazer o mesmo no mês de dezembro. A dificuldade no preenchimento de vagas, no entanto, tem sido um relato comum entre empreendedores do setor.
Diante dos obstáculos para realizar contratações bem-sucedidas, empresários de bares e restaurantes podem reavaliar processos internos e implementar práticas que amenizem este desarranjo do mercado. Afinal, explorar o potencial dos recursos humanos enquanto eixo estratégico pode aproximar o negócio dos seus objetivos.
Para entender melhor como dar início a esse processo, é importante analisar quais têm sido os principais entraves ao contratar colaboradores. Flávio Vasconcelos, proprietário da churrascaria Detroit Stakehouse, com uma casa em Cuiabá e outra em Várzea Grande, reforça que a qualificação é uma das maiores ausências no setor.
Para o empresário, a expectativa em contratar profissionais que já possuem um nível avançado de capacitação se torna um empecilho no preenchimento de vagas. “Empregar pessoas sem qualificação é uma característica do nosso setor. Eu não coloco esse pré-requisito. Se o funcionário tiver experiência é bom, mas se não, ele vai ser entrevistado da mesma forma. Não é uma barreira”, afirma.
O especialista em psicologia das organizações e do trabalho e líder de gente e jornadas na Abrasel, Paulo Jelihovschi, acredita que essa fase inicial é de grande importância e já impacta a partir do processo seletivo.
Segundo ele, talvez este seja o grande desafio do momento. Idealmente, a contratação seria feita com base no fit cultural (alinhamento entre o perfil do trabalhador e os valores da empresa), no perfil do profissional em relação à vaga e nos tipos de competências do candidato.
Um processo completo e eficiente poderia envolver, além da entrevista, dinâmicas e uma avaliação comportamental. Porém, o cenário atual não condiz com essa representação.
“Como este é um período de alta escassez, pode ser inviável contratar alguém pensando nesses critérios. Tendo em vista o cenário desafiador, proporcionar a qualificação é um caminho."
Jelihovschi também reforça a importância do alinhamento de expectativas no momento da contratação, considerando elementos como as perspectivas de crescimento e clareza das funções. Criando-se este entendimento, a longevidade do relacionamento com o funcionário é prolongada.
Na Detroit Stakehouse, para tornar o processo seletivo mais eficiente, Flávio usa algumas estratégias aprendidas e aprimoradas ao longo deste período.
“Nossa metodologia de contratação é inspirada na de outros grandes empresários. Temos um processo de perguntas para identificar o perfil do candidato e entender se ele irá se adaptar bem à cultura da empresa e estar alinhado aos nossos valores. Após esta primeira fase, propomos dois dias de teste que são remunerados como trabalho freelancer”, expõe.
A vantagem desse sistema é aproveitar o período experimental para analisar como a integração se desenvolve entre o novo colaborador e a equipe do restaurante.
Em relação à contratação, no entanto, o empresário aponta outro desafio: a logística relacionada ao deslocamento da equipe. Como são duas casas, são quase 70 colaboradores. Por causa da dificuldade com o transporte público no horário do encerramento, tentamos selecionar pessoas mais próximas”, completa Flávio.
A respeito da qualificação de funcionários, Paulo Jelihovschi afirma que deveria ser uma política obrigatória e contínua de qualquer organização.
“São poucas as empreses que qualificam, o que se tornou um diferencial competitivo no setor, além de gerar mais engajamento de funcionários”, explica.
“É importante fazer um desenho do estado presente e um do estado futuro da equipe, ou seja, de como ela é e o que precisam melhorar; e onde você quer que ela chegue em um tempo determinado. Para executar esse plano, a qualificação é um elemento muito importante”.
O papel de uma gestão eficiente
Para garantir que o ambiente de trabalho seja positivo e motivador, Jelihovschi explica que há duas grandes frentes. A primeira consiste na construção do que é o trabalho conjunto no bar ou restaurante. É a definição de regras de comportamento e de quais posturas correspondem à cultura da empresa.
A segunda está na criação de um ambiente favorável que equilibre saúde, produtividade, realização pessoal e desenvolvimento profissional. Ele ainda reitera a importância da comunicação. “Isso se constrói no dia a dia, com muito diálogo e correções e melhorias contínuas. A boa notícia é que não custa dinheiro. Vai custar tempo”, explica.
Para proporcionar ao seu time as melhores condições de trabalho, Flávio explica o processo que desenvolveu ao longo dos anos.
“Nós premiamos o colaborador destaque do mês com um bônus em dinheiro. Temos uma premiação para o salão e uma para a cozinha. Assim, incentivamos o colaborador que entrega acima da média. E eles percebem isso. Também trabalhamos com metas e super metas que rendem uma bonificação quando são alcançadas”, conta.
Além de outras medidas nesse mesmo sentido, os treinamentos para a equipe são constantes. Flávio conta que, para realizá-los, utiliza tanto o apoio de um software especializado quanto a mentoria de outros profissionais. Ele explica que intercala as temáticas, convidando profissionais locais renomados na área de vendas, psicólogos e especialistas em segurança do trabalho, por exemplo.
“Em alguns meses, chegamos a ter até três treinamentos. O último abordou como usar os disjuntores e a forma certa de evacuar o local. No próximo, vamos ter uma profissional conhecida no estado para tratar de comunicação. A ideia é aprimorar a oratória em todo o time”, afirma.
Quando novos colaboradores entram para a equipe, também passam por um processo de aprendizado sobre regras, valores e cultura da empresa. Para Flávio, esse também é um momento de acolhimento e vem demonstrando bons resultados desde a implementação, há cinco anos.
Ele explica que a própria cultura organizacional do restaurante e o cuidado com o time se tornam, simultaneamente, um fator estratégico para atrair talentos e reduzir o turnover (rotatividade de funcionários).
Em relação a este último fator, Paulo Jelihovschi aponta a qualidade do ambiente e das relações como preponderante. “Pesquisas que buscaram entender quais são os principais fatores que levam à saída de funcionários apontam que o salário flutua entre a 4ª e 6ª posição. Um salário na média, então, é competitivo.”
O principal fator é, na verdade, o relacionamento interpessoal entre colegas. Muitos passam mais tempo com os colegas de trabalho do que com a família. Garantir, portanto, boas condições para o funcionário, salubridade, alinhamento de expectativas e criar um bom ambiente é o que faz a diferença na retenção de talentos e torna o espaço de trabalho saudável e atrativo para novos colaboradores.