Dois dos temas mais abordados no Congresso Abrasel foram relacionados aos trabalhadores do setor
Por Valério Fabris
No maior evento brasileiro de conhecimento para bares e restaurantes, a mão de obra no setor teve ampla presença na lista de assuntos mais comentados. A relação das gerações mais jovens com o trabalho e a escassez de funcionários no hemisfério norte, que tem levado a um aumento do delivery, foram temas de grande interesse.
Jovem só aceita trabalhar onde se pratique seu propósito de vida
Nos Estados Unidos e em outros países, jovens têm se recusado a trabalhar em empresas e setores que não se mostram praticantes e defensores das causas sociais e ambientais. Rapazes e moças dessa camada da população estabelecem a conexão entre o trabalho e o propósito de vida.
É esta uma característica marcante em largas parcelas das gerações nascidas após 1996. Ou seja: trata-se de uma coerência existencial que se observa nas gerações Y (ou millennials, nascida entre 1981 e 1996) e Z (nascida entre 1997 e 2009). Já se identifica que tal perfil estende-se aos pré-adolescentes da geração Alpha (nascida depois de 2010).
Um dos palestrantes do 35º Congresso Abrasel, Ajay Mittal, diretor global de Operações (“Chief Operating Officer") da Rappi, reconhece que essas gerações só querem se associar a empresas que ostentem um impacto social positivo. “Isto é: por exemplo, que tipo de embalagem nas empresas é usado, como contratam as pessoas, como tratam essas pessoas. “Esta é uma tendência que só vai aumentar no futuro”, acrescentou o executivo indiano.
“As novas gerações só querem se associar a empresas que ostentem um impacto social positivo” afirmou.
A afirmação de Mittal é corroborada por Sergio Molinari, sócio-fundador da Food Consulting, palestrante, conselheiro consultivo, professor da ESPM/ SP e produtor de conteúdos para o canal YouTube.
Ele se impressionou com a grande ênfase às questões ambientais que ocorreu, de 20 a 23 de maio de 2023, em Chicago, na edição do ano 2023 da NRA Show, a maior feira mundial de empresas relacionadas a produtos e novidades relativas ao setor de “food service”, abrangendo bares, cafeterias, lanchonetes, restaurantes, hotelaria, marcas de bebidas.
Molinari observou que, na NRA Show 2023 (a grandiosa feira de Chicago), entre os mais de dois mil estandes espalhados, o que mais havia eram estandes voltados à embalagem sustentável. Muitas das novidades comportamentais que se passam nos Estados Unidos acabam, de alguma forma, sendo imitadas no Brasil. Do Rio Grande para cima, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, faltam trabalhadores para os serviços básicos.
A escassez de mão-de-obra é mais acentuada em ocupações menos exigentes de escolaridade, como as de motoristas de caminhão e de transporte público, camareiras de hotéis, carregadores e descarregadores de malas nos aeroportos, faxineiras de creches, profissionais de queima de fogos (pirotécnicos), diaristas, guarda-vidas de piscinas. Muito dessa mão-de-obra vem da imigração.
Sobretudo no hemisfério norte, a escassez de funcionários dentro dos restaurantes derruba a qualidade do atendimento. Daí, lá cresce o delivery
Marilia Meneghisse, vice-presidente de Negócios Estratégicos para a América Latina da Ecolab, assegurou ao público do Congresso Abrasel que, no Brasil, “ já se sente, ainda que de forma menos acentuada do que em outros países, a falta de mão-de-obra nos setores da alimentação fora do lar e da hotelaria.
Além da deserção laboral motivada pelos ‘propósitos de vida’ e outras questões existenciais de parcela da juventude, o que ocorreu foi uma gradativa queda da taxa de natalidade nas gerações pós ‘babies boomers” (os nascidos entre 1940 e 1960).
É um fenômeno que se estende de Nova York a Tóquio, passando por Londres, Paris, Roma, Berlim, Madri, Viena etc. Pela primeira vez em 61 anos, a população da China declinou em 2022. Como se noticiou no Estadão, a última vez que a população da China diminuiu foi em 1961, após três anos de fome causada pela desastrosa política industrial do Grande Salto Adiante de Mao Tsé-tung, potencializada por inundações e secas.
Nos Estados Unidos, e até no Japão, ocorre de os gestores de restaurantes antecipadamente avisarem aos clientes que os serviços da casa acabaram ficando aquém dos habituais padrões de anos atrás.
A executiva da Ecolab relatou ter pessoalmente vivenciado tal contrassenso, quando esteve lá no Japão. Em um dos painéis do Congresso Abrasel, ela contou que havia feito reserva em um restaurante nipônico. Chegando ao local, deparou-se com um quarteirão de fila para entrar no estabelecimento.
Como já havia feito a reserva, Marilia acabou entrando. Porém, ao ingressar no salão, viu que muitas mesas (talvez a metade) estavam vazias. Solicitou ao funcionário uma explicação para aqueles paradoxais cenários de um monte de gente esperando lá fora, e, no salão, metade das metades desocupadas.
Ouviu a seguinte justificativa: “não tem garçom”. Essa internacionalmente disseminada ocorrência, como ela mesma afirmou, serviu para reforçar o sentimento de que, nesta era digital, o setor da alimentação fora do lar (o “food service”) precisa ser continuadamente repensado.
Como é que a gente atrai pessoas para trabalhar no nosso setor? Será que temos que repensar o atual modelo? Temos de contratar pessoas como nossos micros sócios? Que modelos a gente pode explorar para trazer de volta essa experiência mais humana?
A reflexão dela provocou-lhe a ânsia de buscar respostas para uma série de indagações. “Como é que a gente atrai pessoas para trabalhar no nosso setor? Será que temos que repensar o atual modelo? Temos de contratar pessoas como nossos micros sócios? Que modelos a gente pode explorar para trazer de volta essa experiência mais humana? Se o consumidor final está insatisfeito e preferindo o delivery, é por que ele não gostou da experiência que ele teve no restaurante? O fato é que empresário está com dificuldade de contratar”.
Na mesma linha reflexiva, prosseguiu ela: “Precisamos buscar mais produtividade, mais automação, mais eficiência. A gente precisa de ajuda,
precisa bons parceiros de delivery de segurança dos alimentos”. Com a falta de mão de obra, o presencial declinou, sobretudo nos países do Hemisfério Norte. Em contrapartida à queda da qualidade no atendimento dentro dos restaurantes, conforme disse a diretora da Ecolab, o delivery tem crescido.
“Nos Estados Unidos, a experiência nos restaurantes tem sido ruim, pelo mau atendimento, em função da falta de mão de obra. Isso também ocorre na hotelaria. Então eu prefiro pedir (o delivery) na minha casa. Fico esperando (o entregador do delivery chegar), mas, enquanto isso, fico em casa fazendo outras coisas”.
A solução brasileira para facilitar a operação de delivery
Um dos avanços do setor da alimentação fora do lar mais saudados pelos palestrantes do Congresso Abrasel foi a iniciativa da entidade de se criar o Open Delivery. João Bibar, ‘ general manager’ da Pede Pronto (uma plataforma de entrega de comidas prontas) enalteceu o protagonismo de, por meio do Open Delivey, se “padronizar todo o processo o processo de cardápio, pedido, pagamento e entrega”.
A Pede Pronto realizou a primeira operação cem por cento Open Delivery para uma das unidades da rede nacional de franquias da Biscoitê, sediada em Santo Amaro (SP), empresa que se projetou como primeira boutique brasileira de biscoitos finos para presentes. “Nessa primeira operação, o Open Delivery integrou o marketplace da Pede Pronto, com o software de gestão de pedidos da Biscoitê, que é o POS Controle”.
Disse Luis Garbelini, vice-presidente da Associação Brasileira de Automação para o Comércio (AFRAC): ”Não há, como o Open Delivery, nada igual no mundo. É um protocolo comum às empresas que querem se falar, um modelo unificado de se comunicar”. É um padrão que permite a diversos atores se comunicarem de modo eficiente na construção de cardápios e no acompanhamento de pedidos de entrega das refeições.