Por Flávia Madureira
O respeito à diversidade deve fazer parte do dia a dia dos estabelecimentos, que têm o poder de reduzir os impactos do preconceito
Um dos aspectos mais nobres do setor de bares e restaurantes é, definitivamente, a sua versatilidade. Democrático, é capaz de assimilar todos os tipos de público, o que configura uma verdadeira celebração da diversidade brasileira. Há nichos dentre essa pluralidade, no entanto, que não recebem a mesma evidência que os demais, sobretudo quando se trata do vínculo empregatício.
A comunidade transexual, que corresponde a cerca de 2% da população brasileira (incluindo pessoas de gênero não-binário) segundo estudo realizado pela UNESP em 2021, sofre com a marginalização e é invisibilizada diariamente.
Dentre esta parcela, que corresponde a aproximadamente 3 milhões de pessoas, o emprego formal ainda é uma exceção. Organizações como a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que lutam para trazer enfoque à comunidade e conquistar a isonomia de direitos, encontram muitos desafios nessa missão, afinal o Brasil carrega a marca execrável de líder mundial na violência contra transexuais.
Quem afirma é a Transgender Europe (TGEU), entidade que monitora dados globais coletados por instituições trans e LGBT. As estatísticas reunidas apontam que o Brasil ocupa essa posição de liderança há treze anos.
Entretanto, algumas iniciativas trazem pontos de otimismo para a comunidade e seus aliados. A representatividade política do grupo tem se expandido gradualmente, numa perspectiva que viabiliza cada vez mais a garantia de uma qualidade de vida que dignifique a pessoa trans, como deve ser.
Esse fator é de suma importância, principalmente no que diz respeito à conscientização. Pessoas trans existem! Negar que elas fazem parte da história é uma atitude vã, pois não se trata de uma questão que tenha surgido na modernidade – o que tem ocorrido é um processo de libertação das amarras sociais que sempre foram impostas.
Se atualmente a repressão, recriminação e invisibilização são tão intensos, quanto mais se retrocede na linha temporal, mais se percebe que a situação era ainda mais difícil. Pessoas que não se identificavam com gênero que lhes foi designado no nascimento ou com o binarismo entre mulheres e homens sempre existiram, mas tinham a voz sufocada. Elas não eram reconhecidas e não tinham espaço para se fazer ouvidas.
Oferecer à comunidade a oportunidade de se autoexpressar e de ter segurança para fazê-lo é um dever social. Reparar os malfeitos históricos não significa conceder privilégios exclusivos, mas de assegurar que os direitos existam e sejam respeitados. Para que isso seja possível, diferentes ambientes precisam se alinhar com o que é, de fato, a realidade, ainda que muitos fechem os olhos a ela.
Nesse sentido, para além da representatividade política, é necessário ainda que haja uma mudança interna capaz de reverter a marginalização dessa comunidade, como reitera Paulo Nonaka, presidente do Conselho de Administração da Abrasel. “Bares e restaurantes são o segundo ambiente mais democrático que existe no mundo, ficando atrás apenas das praias”, diz.
“Em nossas mesas, se sentam pessoas de todos os tipos, independentemente de orientação sexual, raça, ideologia, partido político. É de nossa essência sermos democráticos e inclusivistas, e este é também o posicionamento da Abrasel”.
Nonaka, que também empreende no setor, une sua experiência no ramo com a dedicação à iniciativa Brasil Novo, que visa transformar o país em um local mais simples para empreender e melhor para se viver.
Por meio dela, tem diálogos com diversas áreas da sociedade e teve contato, inclusive, com lideranças trans. A partir desse encontro e do relacionamento com membros do quadro de colaboradores de sua empresa que fazem parte da comunidade transexual, ele revela que passou a compreender melhor esse universo e a entender mais as necessidades do grupo.
Para o empresário, o receio por parte de empregadores ainda existe em muitos casos, mas isso é algo que deve ser superado. O setor deve abrir as portas não apenas para a diversidade em sua clientela, mas também em seus funcionários. “Uma equipe com perfil único limita a visão da empresa”, afirma Nonaka.
A comunidade LGBT encontra mais desafios em sua trajetória devido ao preconceito que sofre da sociedade. Dentre a população trans, os altos níveis de evasão escolar dificultam ainda mais para que haja a profissionalização, o que se torna um dos motivos pelos quais a absorção pelo mercado formal de trabalho seja reduzida.
Projetos voltados a este grupo que visam democratizar o acesso à educação e impulsionar a empregabilidade têm grande importância no combate a esse cenário.
É o caso da plataforma Transempregos, que auxilia na formulação de currículos e conecta pessoas trans a vagas em diversos setores. Fundada em 2013 por Ana Carolina Borges, Laerte Coutinho, Maite Schneider e Márcia Rocha, a plataforma é a primeira do tipo no Brasil e atualmente a maior do país.
Totalmente gratuita para usuários e empresas, conquistou um aumento de 200% no número de parceiros de 2020 para 2021.
De que outras formas que o setor de alimentação fora do lar pode ajudar a eliminar o preconceito?
Através da informação. É o que acredita Paulo Rômulo Bandeira de Melo, sócio do grupo Julietto. Desde a sua fundação, no ano de 2001, a rede pernambucana de fast-food tem em sua política a valorização da diversidade. Para o empresário, é importante que se garanta aos colaboradores transexuais um ambiente seguro e acolhedor, em que seja padrão o uso do nome social e haja total respeito.
Ele afirma que o conhecimento por parte das pessoas cis-gênero é chave no processo de inclusão: com a instrução adequada, é possível aprender a reconhecer as diferenças como parte integrante da experiência de cada um.
Paulo declara que esse respeito e a busca pela valorização são iniciativas que devem partir do próprio setor e precisam ser cultivadas a todo momento.