Com aluguel de cozinhas industriais e até incubação de projetos, alternativas para a profissionalização de negócios de alimentação ganham força no País
Danilo Viegas
A ideia de diminuir custos, crescer e ainda poder compartilhar um espaço profissional para atender a demanda dos clientes foi essencial para que a empreendedora Alessandra Guimarães alocasse seu negócio em uma incubadora especializada em negócios de alimentação fora do lar. Em pouco mais de um ano, ela e a sócia Carla Santos contaram com a infraestrutura de uma cozinha industrial, fizeram contato com novos fornecedores, além da análise e do planejamento de gestão para que a Aleguí, marca de pães artesanais, ganhasse corpo, evoluísse e se apresentasse ao mercado de forma mais profissional. Como resultado dessa experiência, as empresárias abriram na capital paulista, em novembro de 2018, a primeira loja física e contabilizam um considerável aumento no faturamento do negócio.
As sócias não são as únicas empresárias do setor que fizeram essa escolha. Hoje, há coworking gastronômicos com estrutura e serviços pensados para alavancar empresas do setor. Esses espaços dispõem, por exemplo, de estrutura para reuniões, cozinhas de aluguel que ajudam pequenos negócios a abandonarem o fogão doméstico e até treinamentos que seguem a lógica de startup, com rápido crescimento.
A Oficina de Mesa, também de São Paulo, foi a opção escolhida pelas sócias do Aleguí. O negócio é tocado desde 2016 por Edgard Aires e Jussara Alves. Lá, além da infraestrutura do aluguel da cozinha industrial, com vários equipamentos profissionais, os empreendedores contam com uma assessoria jurídica, engenheiros de alimentos, nutricionistas e equipe de contabilidade, além de estreitamento do contato com fornecedores que podem render preços mais baixos dos insumos necessários para produção.
“Ficamos ‘incubados’, na Oficina da Mesa por cerca de um ano, período fundamental para evoluir nossos produtos, testar opções, otimizar a gestão e irmos mais maduros pra rua. Talvez sem a assessoria, o nosso negócio daria certo, mas não num período tão curto”, avalia Alessandra. Para Edgard, a demanda pelos coworkings gastronômicos que possuem esse tipo de consultoria surge da preocupação dos empresários em evoluir além do desenvolvimento dos produtos finais. “Temos muitos microempreendedores individuais que querem crescer, são habilidosos na confecção de doces, pães, drinks e hambúrgueres, mas ainda não têm uma expertise na modelagem de seus negócios. Se tratando de bares, restaurantes e lanchonetes, o buraco é muito mais embaixo e qualquer deslize pode ser fatal”, observa.
Os valores giram em torno de R$ 100 a hora pela consultoria no ‘pontapé inicial’, mas planos podem ser discutidos conforme a demanda do cliente. “A questão é entender o tamanho do projeto e como podemos ajuda-lo”, diz Edgard.
Economia criativa
O conceito de coworking está inserido na chamada economia criativa, uma tendência em trabalhar de forma colaborativa, compartilhar espaços e desenvolver inteligência coletiva. Para quem pensa em trabalhar em um ambiente de coworking, ter a mente aberta é um diferencial. “É uma oportunidade para estreitar relacionamento, mas se a pessoa não tiver um comportamento empreendedor, fica mais difícil trabalhar nesse espaço, onde são treinadas a buscarem mais conhecimento, experiência e, consequentemente, fazer bons negócios”, finaliza.
Cozinha profissional
O contato com comunidade gastronômica motivou a empresária Diris Petribú a criar o Hub Food Service, em São Paulo. A arquiteta é diretora de uma empresa de design e arquitetura para produtos e estabelecimentos de alimentação fora do lar. Como era comum que clientes tivessem a intenção de expandir seus negócios, mas sofriam com o alto investimento de uma cozinha industrial, ela resolveu montar um espaço onde as pessoas poderiam testar novos produtos.
Assim surgiu o Hub, um espaço para ligar as pessoas das áreas de alimentação, marketing, operações, projetos e fornecedores. Isso porque além de empreendedores que alugam a cozinha, o negócio possui uma área de eventos para as marcas testarem produtos, fazer apresentações, degustações, aulas, treinamentos e eventos variados.
O espaço possui três cozinhas industriais, salas de trabalho e salão de aulas, além de centro de produção com estrutura de apoio ideal para restaurantes que querem aumentar o serviço de delivery. O aluguel custa, em média, R$ 100 a hora, mas o valor pode ser negociado dependendo do número de horas contratado.
Entre os usuários do Hub Food Service estão os criadores da VeganJá, empresa que faz um serviço de entrega de pacotes semanais e mensais de refeições congeladas com zero produto de origem animal, preparadas com ingredientes preferencialmente orgânicos.
A decisão de alugar uma cozinha para o preparo das refeições foi tomada porque a empresa precisava de um espaço com todos os equipamentos para produção em escala, com qualidade e seguindo as normas da Anvisa.
“Para construir uma cozinha dessa o investimento em equipamentos é altíssimo, então tomamos a decisão de alugar um espaço que nos oferecesse toda a estrutura que precisamos”, conta Jônatas Mesquita, sócio da empresa. É na cozinha do Hub que são preparados pratos como a paella negra de cogumelos, o tutu mineiro de feijão preto e a moqueca de pupunha. “O Hub é um lugar onde conhecemos uma série de pessoas do ramo que, de alguma forma, tiveram impacto positivo em nosso negócio. Lá, conhecemos nossa nutricionista, consultores, prestadores de serviço e clientes também”, destaca Mesquita.
Inspiração é gringa e tem raízes sociais
A inspiração para cozinhas compartilhadas em espaços de coworking vem dos EUA. Por lá, duas iniciativas se destacam. Uma delas é a La Cocina, em São Francisco, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para resolver problemas de equidade em empresas para mulheres e imigrantes. Dados colhidos pela La Cocina mostram que nos Estados Unidos as mulheres representam apenas 33% dos donos de empresas em todo o país e ainda fazem de 46 a 75 centavos por cada dólar que suas contrapartes brancas e masculinas fazem. Foi pensando nisso que a organização passou, em 2013, a fornecer espaços de cozinhas industriais acessíveis para empreendedores, como uma maneira de promover inclusão social. Por lá, as empresas recebem orientação e acesso a oportunidades de mercado. Os novos negócios passam por uma série de aulas de produtos, finanças, marketing e operações.
O FoodLab também é pioneiro. Sediado em Detroit, eles ofertam documentos de maneira prática para que potenciais empresários abram seus negócios de alimentação fora do lar na cidade sem ficarem presos à burocracia. Ao se tornar um membro FoodLab, a empresa “incubada” tem direito a um completo diretório de recursos, como reuniões com consultores e fornecedores locais, por exemplo.
“Embora acreditemos que nossas empresas de alimentos possam desempenhar um papel fundamental no crescimento de um sistema alimentar que atenda a todos os moradores de Detroit, sabemos que há muitos desafios que não podemos resolver sozinhos. Nos consideramos parte de um movimento maior e nos esforçamos para desenvolver novos programas, projetos e serviços de uma forma que se baseia nos ativos das organizações, agências de serviços públicos e líderes comunitários. Nos apoiamos uns aos outros no processo de crescimento e melhoria de nossos negócios individuais, e que estão comprometidos em agir ativamente, juntos em direção a uma economia de alimentos mais deliciosa, saudável, justa e verde em nossa cidade”, diz o manifesto do Foodlab.
Saiba mais:
Oficina da Mesa: oficinadamesa.com.br
Hub Food Service: hubfoodservice.com.br
La Cocina: lacocinasf.org
FoodLab: foodlabdetroit.com.br