Conheça essa tendência vinda da Europa que ganha espaço no Brasil ao aliar boa gastronomia com experiência do consumidor num lugar democrático e interativo
Por Danilo Viegas
Um complexo gastronômico com dezenas de opções de boa culinária, convivência e interação. O leitor desavisado pode até achar que se trata de praças de alimentação, incrustadas em praticamente todos os shoppings centers Brasil afora, mas a definição cabe a uma nova tendência que vem ganhando cada vez mais força no país, o food hall.
Diferente das praças de alimentação, que se sustentam por se situarem dentro de imensos complexos de compra e lazer, onde a pessoa visita o local com outros objetivos e aproveita a estadia para se alimentar, o food hall é um ambiente que existe por si só. “O próprio espaço é a principal atração”, diz Renato Guerra, um dos oito sócios responsáveis pelo Mercado da Boca, food hall inaugurado em março em Nova Lima, município que faz parte da Grande Belo Horizonte.
Nos mais de quatro mil metros quadrados que agrupa mais de 30 operações que variam entre bares de gin, cervejas e drinks, adegas de vinhos e restaurantes, o lema do Mercado da Boca é fazer jus ao DNA mineiro de boa gastronomia e ser uma referência para o resto do país e até para o mundo, ressignificando a proposta de experiência, incentivando a cultura local e democratizando o acesso a bons pratos. O destaque fica por conta dos renomados chefs que são parceiros do projeto. Entre eles figuram Flavio Trombino, Fred Trindade, Ivo Faria, Rodrigo Zarife e o francês Emmanuel Ruz, dono de uma estrela Michelin, que dão o próprio nome às suas operações.
“Alugamos o prédio e os chefs são sublocatários”, explica Guerra. “Eles são a parte essencial de nosso negócio, fizemos uma seleção de restaurantes que enxergamos que agregaria mais valor para o nosso projeto. Com um cenário difícil como o atual, com aluguéis altos, insegurança jurídica e outros problemas, oferecemos uma estrutura simplificada onde o restaurante tem que se preocupar em apenas o que faz de melhor: comida”, diz.
O empreendimento é inspirado em projetos internacionais conhecidos como o tradicional Mercado da Ribeira, na cidade de Lisboa, o Food Hallen, em Amsterdam e o Mercado de San Miguel, em Madri e vem sendo desenvolvido desde 2015. Após o planejamento inicial, vieram pesquisas e visitas técnicas. “Levantamos o que é tendência no mundo e pensamos muito sobre como traduzir isso para nossa realidade. Percebemos que no dia a dia as pessoas estão mudando a forma de consumo e buscando novas vivências, mais completas. O ‘sair para comer’ vai muito além do ato de chegar em um lugar e pedir um prato. As pessoas buscam cada vez mais essas experiências”, conclui a sócia Marcela Nunes, também responsável pelo mercado.
Com o empreendimento em pé a menos de um ano, a avaliação dos sócios é extremamente positiva. O Mercado da Boca recebe mensalmente cerca de 40 mil visitantes. “As pessoas ficam surpresas quando chegam aqui e veem que só temos mesas comunitárias, para oito, dez pessoas. É um também um diferencial”, diz Guerra. A interação é proposital e foi planejada pelo renomado arquiteto Gustavo Penna, responsável pela reforma interna do espaço. Penna é o responsável pela arquitetura de grandes obras em Minas, como o “novo” Mineirão, a cervejaria Wals, e centro de convenções do Inhotim.
Outro parceiro de destaque no planejamento do empreendimento foi o premiado Gustavo Greco, responsável pelo nome e pela identidade visual do projeto. “O símbolo é uma bocaformada por um D e um B, iniciais do nome do mercado. E porque, no final das contas, a gente vive e mata a vontade pela boca”, explica o designer. O empresário Renato Guerra completa: “Talvez o sucesso também se dê pelo pioneirismo do segmento no Brasil. Aqui só conheço food halls menores, talvez um que passe pela mesma experiência é o Eataly, em São Paulo, mesmo que tenha uma pegada diferente, porque funciona também como um mercado”.
Celebração italiana
Uma pesquisa feita pelo Eataly em São Paulo mostra que a primeira palavra que os lentes associam à marca é inovação. Talvez seja por isso que o food hall criado em Turim, na Itália, em 2017, já tenha 38 unidades espalhadas por quatro continentes. Em 2015, São Paulo foi escolhida para ser a primeira cidade a receber uma loja Eataly na América Latina. A cidade é onde vive o maior número de italianos fora da Itália. “O nosso diferencial não está apenas em sermos um food hall”, explica o italiano Luigi Testa, general manager do Eataly em São Paulo. “O cuidado que temos com os produtos, a qualidade das receitas e troca de aprendizado. Este é o nosso grande chamariz”, defende.
Internacionalmente falando, o Eataly criou e comprou ações de empresas de alimentos e bebidas de alta qualidade e hoje tem ou é parceiro de mais de 19 empresas que produzem ou distribuem alimentos italianos de alta qualidade, incluindo: água, bebidas não alcoólicas, vinhos, carnes frescas, carnes curadas, queijos, massas, doces, assim como uma agência voltada ao turismo gastronômico. Essas empresas fornecem aproximadamente 25% dos produtos da mercearia, enquanto os outros 75% são fornecidos por mais de dois mil produtores. O nome nasceu da fusão de duas palavras: EAT, comer, e ITALY, Itália, em inglês. A ideia, segundo Luigi, é muito simples. “Reunir todos os alimentos italianos de qualidade sob o mesmo teto, um lugar onde o consumidor pode comer, comprar e aprender”.
Na capital paulista são também mais de quatro mil metros quadrados onde existem 13 pontos de alimentação em meio a um mercado com mais de 7.000 produtos italianos ou de produtores locais, que seguem as receitas tradicionais. A loja ainda tem um espaço dedicado a workshops e eventos. “Tudo para lembrar que a vida é muito curta para não comer e beber bem, este pra mim é o conceito de um food hall”, finaliza Luigi.
Origem é europeia, mas crescimento veio dos EUA
O conceito de Food Hall nasceu na Inglaterra integrado às operações das lojas mais tradicionais de departamentos, como Harrods e Selfridges. Sua concepção inicial oferecia operações diversas de alimentos, numa proposta mais orientada para lojas de alimentação, criando uma nova área de interesse, experiência, entretenimento e compras dentro das grandes lojas tradicionais de departamentos. A expansão no mercado europeu foi marcante e fez parte da estratégia de ampliar a oferta de serviços através de alimentos prontos para consumo no negócio tradicional do varejo.
A evolução do conceito nos Estados Unidos foi marcada pela convergência de dois movimentos simultâneos. De um lado, os consumidores ampliando a participação em seus dispêndios dos alimentos prontos e preparados para consumo e de outro, os shopping centers em busca de alternativas para ocupar espaços anteriormente usados pelas tradicionais lojas de departamentos, em franco declínio e redução de suas áreas de vendas.
Segundo estudo da empresa norte-americana Cushman & Wakefield, em 2007, o espaço típico de shoppings centers era dividido em 60% para varejo tradicional, 30% para âncoras e 10% para entretenimento, bebidas e alimentos. Por conta da transformação de hábitos, dez anos depois, esse mix havia se alterado para 50% de varejo tradicional, permanecia 30% para âncoras, porém, diferente de dez anos atrás, a área destinada para entretenimento, alimentos e bebidas, havia evoluído de 10 para 20% do total da área.
Na configuração anterior, muito da oferta de alimentos e bebidas era concentrada nas tradicionais praças de alimentação. O resultado disso é que em 2016 foram gastos US$ 388,1 bilhões nos Estados Unidos com alimentos no domicílio e US$ 393,2 bilhões fora das residências, caracterizando uma profunda transformação de mercado, segundo o mesmo estudo, com significativas diferenças nas margens e rentabilidade das operações servindo esses mercados.
A evolução da praça de alimentação
Disso resultou, em muitos shopping centers, novos espaços alocados para essas categorias e o mercado imobiliário, atento a esse movimento estratégico, criou novas áreas, independentes ou vinculados a centros comerciais diversos, dedicados a alimentos e bebidas, nessa concepção mais abrangente que caracteriza os atuais Food Halls, evolução ambiciosa das antigas praças de alimentação.
No cenário atual, os Foods Halls representam a maturidade dos espaços integrando alimentos e bebidas com entretenimento, lazer e diversão, combinação que representa cada vez mais nos dispêndios dos consumidores. Segundo a pesquisa, esse comportamento do consumidor, em especial para as novas gerações Millennials e Z, também está presente nas gerações anteriores, em busca de um estilo de vida mais light e melhor equilibrado entre trabalho, lazer e diversão.
*Reportagem originalmente publicada na edição 122 da revista Bares & Restaurantes