"O melhor projeto de “soft power’ (o ‘poder suave’) que se tem no mundo, é o Japão. Esta é a nossa referência, em todos os sentidos. Até dizem que a economia japonesa estacionou. Mas o Japão estacionou em um ponto muito alto, o da terceira potência econômica. É superado somente pelos Estados Unidos e pela China, que não praticam o ‘soft power’. E desse terceiro lugar o Japão suavemente não sai, sem qualquer conflito”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel
Por Valério Fabris
“Nunca praticamos o projeto de poder. Essa postura tem sido mantida desde que a Abrasel foi fundada há 37 anos, em 1986”, disse o presidente da associação, Paulo Solmucci. Ele reiterou este ortodoxo princípio em sua fala na abertura da primeira reunião anual do Conselho de Administração Nacional da entidade, no dia 31 de janeiro, na Vila Mattioli, localizada em Cláudio, interior de Minas Gerais.
Em lugar do projeto de poder, o foco da Abrasel tem sido, ao longo desse tempo, como acrescentou Solmucci, o de nacionalmente ter expressiva capacidade de influir em todas as esferas das decisões públicas em favor das causas socioeconômicas da sociedade.
“Em vez de um projeto de poder, alcançamos o que almejávamos. Tornamo-nos uma das dez entidades mais influentes do país. Com os nossos empreendimentos abertos às calçadas das vilas e cidades do Brasil inteiro, expressamos e amplificamos a voz das ruas”.
Ao descartar o projeto de poder, a Abrasel - como acrescentou Solmucci - acabou se livrando dos embates políticos do “nós contra eles”. Em lugar da disputa pelos espaços das do poder, acrescentou ele, “temos nos dedicado ao efetivo poder de influir em direção à meta-síntese de fazer do Brasil um país mais fácil de empreender e melhor de se viver”.
O propósito da Abrasel está condensado na meta-síntese do Brasil Novo
Para se viabilizar a transposição de um a um dos muitos degraus que levem à efetivação da meta-síntese, foi constituído, conforme disse o presidente da Abrasel aos conselheiros, um laboratório de ideias (“think tank”), coordenado pelo presidente do Conselho de Administração Nacional, Paulo Nonaka. A este laboratório de ideias deu-se o nome de Brasil Novo. Os dois primeiros degraus são:
1) a inclusão das 13.151 favelas do país às cidades formais (isto é, influenciando-se na elaboração dos planos diretores urbanos, para que as favelas sejam dotadas de plena infraestrutura);
2) o engajamento aos projetos de economia circular. Ou seja, valorizando – pela via da comunicação – o papel social, econômico e ambiental do catador de resíduos, assim como difundir a mensagem à população para que adote a corriqueira atitude de seletivamente separar os resíduos sólidos.
Simultaneamente, conforme discorreu opresidente da Abrasel, tem de se fazer com que o empreendedorismo nas favelas seja o vetor de superação nacional das situações de pobreza e extrema pobreza, criando-se no país uma nova classe média.
Outro significativo vetor do empreendedorismo (além da capacitação gerencial dos que já têm, nas favelas seus negócios inseridos no setor da alimentação fora do lar) é o da coleta seletiva de resíduos sólidos. Estima-se que diariamente trabalhem nas ruas do país em torno de um milhão de catadores.
Não se deve temer o futuro, como disse Winston Churchill. "Temos de construí-lo"
O poder de influência que se pratica na Abrasel, como reiterou Solmucci, não se dá pela via do “nós contra eles”, em que grupos querem impor seus pontos de vista ou criam o antagonismo na disputa por espaços de decisão. “A influência é possível com o diálogo sereno e aberto”, disse.
Voltou a enfatizar que a Abrasel já nasceu inspirada no conceito do “poder suave” (“soft power”), criado no final dos anos 1980 por Joseh Nye, professor de Harvard. Nye é autor do livro “Soft Power: Os meios para o sucesso na política mundial”.
Na sua fala aos conselheiros, o presidente da Abrasel acentuou que “o melhor projeto nacional de “soft power” que se tem no mundo é do Japão, um país que foi beligerante. Nos últimos
oitenta anos, mudou sua postura, projetando-se como uma referência global de diálogo pacífico com todas as partes, alcançando reconhecimento internacional pelos avanços sociais, tecnológicos, econômicos e ambientais”.
Ele fez esta exortação: “Precisamos contar e recontar todas essas histórias aos jovens. Esta é a contribuição maior que se poder dar, a longo prazo, em uma organização influente, como a nossa. A Abrasel nasceu gregária, inclusiva. Nasceu com a índole do bem. Há uma frase de Winston Churchill (estadista e escritor britânico, primeiro ministro do Reino Unido de 1940 a 1945, e, novamente, de 1951 a 1955), em que ele exorta para que não tenhamos medo do futuro. Temos, sim, de ajudar a construí-lo, com confiança e coragem”.
Solmucci voltou ao ponto de que a Abrasel nasceu com um propósito. Conforme sua narrativa, a própria organização foi, com o passar dos anos, expondo todos os contornos do seu significado de vida. Sucintamente, a razão de ser da entidade condensa-se na sua missão de influenciar as esferas pública e privada para se alcançar o objetivo de que os brasileiros tenham um “país mais simples de empreender e melhor de se viver”.
Com o 'Ikigai', os membros de uma entidade nela traçam o propósito comum, em um ambiente 'Soft Power'
A britânica The Economist - considerada pelos críticos da imprensa global como a revista mais influente do mundo - veiculou na sua edição de 27 de outubro de 2022 um texto sobre um alto executivo que, aos 40 anos de idade, recebia polpudo salário, mas se sentia vazio. Era um vazio dentro de si mesmo.
Ele começou, então, a fazer pesquisas sobre o que querem dizer os vocábulos “significado” e “propósito”. Fixou-se, então, em uma palavra japonesa que até então lhe era desconhecida: “ikigai”. O significado, “razão de ser”. O alto executivo acabou suavizando-se, fazendo com que o seu lado empresarial se acoplasse ao seu lado existencial.
O Ikigai originou-se no arquipélago de Okinawa, onde vivem pessoas centenárias e com reduzida incidência de doenças. Segundo reportagem da BBC News, Ikigai é, para qualquer pessoa, jovem ou idosa, a sua “razão de viver”, que é a soma do que motiva a pessoa a acordar todos os dias. Se assim proceder, ela terá uma vida gratificante. E esta é uma fonte da
longevidade saudável, que resulta de uma conjunção de situações motivadoras.
Eis um conjunto dos ingredientes vivificantes que geram o Ikigai. Por exemplo: a jardinagem, a leitura, a arte, os laços sociais, o karaokê, a escrita, a festa de aniversário, os hobbies, as atividades comunitárias, o trabalho. Em reportagem sobre o assunto, a revista Kizuna, órgão oficial do governo chinês, dá esta indicação:
“Continuar a trabalhar ou desfrutar de hobbies com energia é uma característica de muitos idosos japoneses". Uma pesquisa nacional, realizada em 2018, constatou que 47,5% das pessoas com 70 anos ou mais são ativas devido às maneiras como trabalham, desfrutam de hobbies e participam de atividades comunitárias.
Outro estudo, realizado com pessoas de 65 anos ou mais, revelou que aqueles que trabalham apenas por motivos financeiros (em comparação com aqueles que trabalham em buscas de seu ‘Ikigai’) têm um risco 1,55 vezes maior de declínio da capacidade funcional dois anos depois.
Considerando esses dados, o governo japonês está ativamente estimulando o emprego e o engajamento social dos idosos. Tomando emprestadas as palavras do renomado psiquiatra Viktor Frankl: “O que o homem realmente precisa não é uma situação sem tensão, mas sim o esforço e a luta por algum digno objetivo seu”.
O diagrama do “ikigai” compreende as quatro seguintes categorias: 1) o que você ama; 2) no que você é bom; 3) em que você pode ser pago; 4) o que o mundo precisa.
Há aí, no ‘ikigai’, um composto de paixão/missão/vocação/profissão/remuneração. A Abrasel revelou a si mesma e à sociedade o seu “Ikigai”, olhando para dentro de si mesma e descobrindo (em consequência do seu poder suave) o empreendorismo como um vetor do mundo mais simples de empreender e melhor de se viver.