A valorização dos ingredientes brasileiros é a principal tendência da gastronomia
Por Dayhane Chaves
Na edição de 2023 o Mesa ao Vivo Brasília, que ocorreu durante o 35º Congresso Nacional Abrasel, reuniu grandes nomes da culinária brasileira que foram desafiados a trazer pratos que pudessem remeter à afetividade em contraponto com os tempos acelerados de redes sociais. Na primeira tarde do evento os chefes: Rony Petterson, Ale Sotero e Babi Frazão fizeram receitas que relembram as origens e que aproximam diversas gerações.
Os profissionais foram unânimes ao afirmar sobre a importância de retornar às raízes tanto na escolha dos insumos quanto no preparo. Durante a elaboração dos pratos foram utilizados ingredientes tipicamente brasileiros com a semente de umburana, molho de tucupi e feijão verde.
O Chef pernambucano Ronny Peterson, comandante do restaurante Aroma, trouxe para o evento uma receita de Rubacão, prato típico da culinária nordestina. Durante o preparo, ele falou sobre o desafio de se manter um negócio no ramo culinário e a importância de buscar conhecimento para prestar um bom serviço com atenção não só a execução do prato, mas também cuidando da apresentação.
Ronny também falou sobre a importância dos profissionais observarem o que atende melhor cada público em termos de sabor, especialmente comidas consideradas mais pesadas. “A adaptação das receitas não tem o objetivo de tirar sua essência e sim atrair diferentes paladares”. Como tendência para a área gastronômica, o chef evidencia além do retorno às raízes com ingredientes típicos do Brasil, o street food e a culinária oriental.
Alex Sotero, chef confeiteiro do restaurante Mocotó, apresentou uma receita de bolo de mandioca com a adição de umburana em pó e fava de aridan, árvore de origem africana que é cultivada no Brasil.
A escolha em trazer uma receita de bolo para o evento se baseou em dois pilares: o primeiro, remete ao tema do evento, a afetividade. O bolo é um símbolo de união que está presente em diversas celebrações importantes como aniversários e casamentos, e segundo, na importância de valorizar e utilizar os ingredientes brasileiros nos preparos.
O chef comentou o fato dos profissionais entenderem mais sobre o preparo de comidas de outras nacionalidades que aqueles genuinamente brasileiros. “Tem estagiários que sabem fazer macaron, eclair, mas não sabem fazer broa, biscoito de polvilho, não conhecem o que é do país”.
Ele destacou a importância da realização do evento como forma de reforçar a importância do uso de ingredientes brasileiros nos preparos.”Ver o público degustando algo que nós pesquisamos, colocamos ingredientes brasileiros e que causou surpresa me faz crer que cumprimos nosso papel”.
Para os novos empreendedores do ramo da gastronomia, Alex citou, além da utilização de insumos regionais, o desenvolvimento da identidade na elaboração das receitas alinhadas às necessidades do público alvo. Ele afirmou que essa construção é importante para dar originalidade aos pratos, permitindo que os empreendedores consigam se destacar.
Como tendências na área de confeitaria, Alex Sotero destacou a sustentabilidade e a diversificação de pratos para atender o público que possui algum tipo de restrição alimentar, seja por questões de saúde ou por opção. Como exemplo ele citou veganos, portadores de doenças celíacas ou pessoas que têm algum tipo de intolerância (glúten, lactose).
“Existe uma demanda crescente e é necessário se preocupar com esse público desde agora, atendendo as expectativas e aumentando a inclusão”. (Atualmente o restaurante Mocotó tem no cardápio um bolo de chocolate sem glúten). Para que está começando na área gastronômica, o chef evidencia a importância de ser curioso, buscar referências e ampliar o repertório de estudos a respeito do tema.
A força do empreendedorismo gastronômico feminino foi representada pela chef brasiliense Babi Frazão. Ela apresentou no Mesa ao Vivo Brasília, uma receita do Bao (pão cozido a vapor) recheado com camarão, pepino, pimentas doces e com redução de tucupi preto. A chef falou sobre a importância da influência familiar na elaboração das receitas e também como auxílio nos momentos desafiadores de sua trajetória no ramo gastronômico.
A construção do cardápio do restaurante da chef tem inspiração nas mulheres da família e esse apoio em casa tem sido fundamental na sua carreira. Para quem deseja empreender no ramo, a chefe afirma que é importante imprimir originalidade nas receitas e buscar inovações. Sobre tendências, Babi aposta numa cozinha mais simples e informal.
“O básico alcança muita gente e ele consegue ser muito incrível”. Ela também ressalta a importância do resgate das origens culinária brasileira não só sob a ótica dos ingredientes, mas também dos processos.
Grandes histórias empreendedoras ocuparam o palco Cidade Viva
Alessandra Montagne, e o casal Rodrigo Oliveira e Adriana Salay, também compartilharam suas experiências aos empreendedores que desejam se estabelecer no ramo da gastronomia. Alessandra, que é de origem carioca, teve parte de sua criação em Poté, município do interior de Minas Gerais, mas foi na França que a Chef se profissionalizou e montou seus restaurantes que ganharam o respeito e a admiração do público e da crítica culinária parisiense.
A chef incentiva as pessoas que têm o desejo de começar a empreender na área gastronômica mesmo com as dificuldades comuns do início da carreira. Ela enfatiza que não existe risco zero, mas a força de vontade e a resiliência ajudam no processo. Contudo, ela é realista sobre as adversidades a que os profissionais estarão expostos “Tem que aceitar não ganhar dinheiro no começo, passar dificuldade e ter preocupações, mas, quando dá certo vale muito a pena” finaliza.
A resiliência também se fez presente na trajetória do chef Rodrigo Oliveira, comandante de vários negócios ligados à área da gastronomia e, entre eles, um dos restaurantes mais respeitados do país, o cinquentenário Mocotó, situado em São Paulo.
O chef declarou que a consolidação do restaurante como ele é conhecido atualmente percorreu uma longa trajetória: “Entre o começo até alcançar algum reconhecimento são quase 20 anos”. Durante esse caminho, as vitórias vieram aos poucos. Primeiro, a troca do forno e só então começaram a chegar os utensílios e os móveis.
Nesse meio tempo, o chef mudou também a forma de enxergar o negócio e com o apoio da esposa, Adriana Salay, Rodrigo compreendeu a importância de olhar o restaurante não apenas sob a ótica de servir alimentação, mas também de ser um meio restaurador de vidas.
Rodrigo Oliveira, sugere a quem quer ter seu próprio negócio, buscar o entendimento de seu contexto e em qual público cada empreendedor quer focar e não apenas seguir tendências sem essa análise. Sua atuação está sempre direcionada a inclusão, mas ele compreende que não é possível agradar todos os públicos por diversas questões.
Ele também ressaltou sobre a importância de ter um olhar atencioso não só para a clientela, mas principalmente para a equipe que compõe o negócio e que esse cuidado consequentemente, se reverbera a todas as outras pessoas que compõem a operação.
“Se não for possível cuidar das pessoas que estão trabalhando ali, jamais vou conseguir cuidar das pessoas que se relacionam com o restaurante que é o fornecedor, vizinho, o prestador de serviços, tudo isso junto é a comunidade do restaurante”.